Segundo o último censo da Educação Superior de 2019[1], o Brasil, se comparado a outros países do mundo, tem pouco acesso da sua população às universidades e baixas taxas de conclusão do ensino superior.
Não obstante, esses números são favoráveis quando se trata do acesso de mulheres ingressando e/ou concluindo suas faculdades, o que denota, na educação superior, avanços no processo de democratização do ensino ao longo dos anos. No entanto, ainda há muitas barreiras a serem enfrentadas e superadas rumo à efetiva igualdade de gênero no ambiente de trabalho.
A partir de 1990 temos uma expansão no Brasil da Universalização do ensino, consubstanciado no texto Constitucional de 1988 que garantiu a todos, em seus arts. 205 e 206, o direito de acesso à escola com base nos princípios de igualdade de condições para o acesso e permanência, frequência obrigatória e gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais.
Para entendermos o processo da presença feminina nas escolas e universidades, é necessário entendermos que o Brasil passou primeiro por um movimento social capaz de reverter a desigualdade existente entre homens e mulheres, para poder, então, chegar a este espaço, numa luta que remonta há mais de 50 de anos.
Romper com o patriarcado de séculos e o domínio que a figura masculina exercia sobre as mulheres foi uma ruptura histórica importante para retirar a mulher da condição subalterna na qual vivia e que a impossibilitava de ocupar os mesmos lugares destinados antes apenas a homens.
Com a emancipação feminina conquistada pelas lutas feministas, as mulheres passam a frequentar maciçamente, primeiro as escolas, e posteriormente as universidades, conquista resultante não apenas do movimento feminista, mas pelo fato de que, “o direito ao saber, não somente à educação, mas à instrução, é certamente a mais antiga, a mais constante, a mais largamente compartilhada das reinvindicações. Porque ele comanda tudo: a emancipação, a promoção, o trabalho, a criação, o prazer”[2].
Com a capacitação profissional universitária em crescimento, as mulheres começam a sair, aos poucos, de ocupações de menor importância e mal remuneradas.
Apesar de não ter dados estatísticos da presença feminina nas universidades antes de 1991 (somente a partir do Censo de 1991, o IBGE passou a categorizar separadamente os indivíduos que concluíram apenas a graduação), diversos textos acadêmicos e a própria história mostra a evolução da presença feminina nos espaços educacionais o que se reflete, mesmo a passos lentos, desde 1970, na ascensão social das mulheres no Brasil.
Dados colhidos no último censo do Ministério da Educação – MEC (2019)[3], apontam o ingresso de mais mulheres nas Faculdades de Pedagogia em primeiro lugar, seguido do curso de Direito, Administração e Enfermagem, em segundo, terceiro e quarto lugar respectivamente.
Outros cursos, tidos como de maior prestigio e importância social, como é o curso de Medicina, têm sido literalmente invadido por mulheres, o que pode evidenciar uma mudança real do pensamento das mulheres deste século, as quais buscam não apenas a satisfação pessoal de cursar uma faculdade e efetivar o seu direito constitucional de ter acesso à educação superior, mas lutam por serem inseridas em espaços diferenciados da sociedade, em busca da independência financeira e ascensão social.
Desde 1970, muitos paradigmas já foram rompidos, a exemplo da ideia de que mulheres deviam ser preparadas apenas para o magistério, por ser uma carreira adequada para elas, atendendo a uma crença limitante da sociedade daquela época de que as mulheres tinham que ocupar espaços que condissessem com a sua “natureza” de cuidadoras, e não de comando e tomada de decisões.
Felizmente este conceito ultrapassado está sendo superado, e hoje as mulheres são maioria inclusive nos cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado, evidenciando a capacidade da mulher de estar num constante processo de aquisição de conhecimento e crescimento pessoal e profissional, e mesmo que estes ainda não reflitam necessariamente uma melhoria nos seus salários, podem servir de indicador de que as relações de poder podem um dia beneficiar as mulheres que estiverem mais bem preparadas.
Em que pese o crescimento da presença feminina nas universidades em todos os níveis educacionais, ao longo de 50 anos, a independência financeira, através do tão sonhado emprego, ainda não foi alcançada por todas.
Segundo o artigo publicado pela BBC News Brasil em 2019[4] intitulado “Mulheres são maioria nas universidades brasileiras, mas têm mais dificuldades em encontrar emprego”, afirma que 34% alcançam a probabilidade, entretanto tem menos chances de serem empregadas (conclusões do relatório Education at Glance 2019, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE).
O relatório afirma que a situação do mercado brasileiro para as mulheres não é favorável, apesar da grande presença nas universidades, ou seja, “Enquanto 18% dos homens brasileiros de 25 a 34 anos têm ensino superior, essa porcentagem sobe para 25% entre as mulheres da mesma faixa etária.”
O citado relatório aponta também que a taxa de empregabilidade de homens com nível superior é de 89% ao passo que as mulheres com o mesmo grau de instrução cai para 82%, sendo ainda menor para aquelas que possuem somente o ensino técnico, ou seja, para 63%.
Com a pandemia, as diferenças de gênero e as dificuldades que as mulheres enfrentaram e ainda enfrentam para se manterem no mercado de trabalho ficaram em maior evidencia.
O Relatório elaborado pela Sempre Viva Organização feminista – SOF e a Gênero e Número[5] entre maio e abril de 2020, ou seja, em plena pandemia, expõe uma realidade muito conhecida por todos, qual seja, a fragilidade da mulher diante da falta de incentivo e da boa vontade das empresas para mantê-las nos seus postos de trabalho.
O relatório que se baseia numa pesquisa com 2.641 mulheres indica que “50% delas passaram a cuidar de alguém na pandemia”, e no caso “das mulheres rurais essa porcentagem alcança 62%”, já entre “as mulheres responsáveis pelo cuidado de crianças, idosos ou pessoas com deficiência, quase 3/4 fizeram essa afirmação”, ou seja, 72% precisaram ser responsáveis pelo cuidado de alguém, uma vez que, no caso das crianças, com as creches e escolas fechadas, o cuidado com a educação passou a ser delas, dificultando a manutenção da mulher no mercado de trabalho, expondo-as irremediavelmente às mais diversas mazelas da sociedade como desemprego, fome, violência, etc.
Diante deste cenário, podemos afirmar que a baixa empregabilidade das mulheres no Brasil, se comparada com a dos homens, demonstra uma incoerência nos dados? Se compararmos os números e as estatísticas que demonstram que há mais mulheres formadas e com maior grau de instrução em comparação com o grau de instrução dos homens, a resposta pode ser positiva. Entretanto, este não é o único fator que leva as mulheres a serem preteridas na escolha para ocuparem cargos de liderança e direção dentro das empresas.
As mulheres ainda precisam enfrentar o preconceito das empresas em relação à sua capacidade de gerenciar os negócios ou de tomada de decisões importantes, e algumas, o preconceito e culpa por serem mães e terem dupla jornada de trabalho (no trabalho remunerado e em casa, com a família e filhos), o que, muitas vezes, dificulta a ascensão profissional.
Podemos concluir, conforme os dados e números apresentados, que, enquanto no Brasil o nível de qualificação profissional e competência das mulheres não esteja intrinsicamente ligado à ocupação de altos cargos dentro das empresas, as mulheres continuarão a ocupar cargos de menor responsabilidade dentro da hierarquia das empresas.
O mundo está em constante mudança, o que nos leva a refletir que, diante dos avanços no processo de qualificação e alta formação acadêmica que as mulheres vêm conquistando a cada dia mais, mesmo em meio a tantas dificuldades, e que hoje encontram na sociedade, cada vez menos patriarcal, estímulo e aceitação maiores, torna-se cada vez mais indispensável que, instituições como a escola, o governo, e as próprias empresas, promovam as adaptações necessárias ao enfrentamento da questão da desigualdade de gênero em todos os espaços, para se alcançar, dentre outros, a efetiva inserção das mulheres no mercado de trabalho, elevando a garantia de ascensão social e independência financeira.
[1]Disponível em: Download.inep.gov.br [2] Disponível em https://www.passeidireto.com/arquivo/22034263/a-presenca-feminina-nos-cursos-universitarios [3] Disponível em https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/carreira/7-cursos-mais-escolhidos-por-mulheres? [4] Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/geral-49639664 [5]Disponível em https://mulheresnapandemia.sof.org.br/wp-content/uploads/2020/08/Relatorio_Pesquisa_SemParar.pdf
Selene Iris Balbuena Fartolino da Silva é advogada, pós-graduada em Direto Público pela União Educacional do Norte – Faculdade Barão do Rio Branco e em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Mestranda em Direito pela Universidad Europea del Atlántico - Espanha. Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/AC. Membro da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica – ABMCJ/Acre. Membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB/AC.
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