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Foto do escritorRenato Tavares

A evolução histórica do Direito do Trabalho e a reforma trabalhista

Desde os primórdios, sempre existiu o trabalho, sendo essencial à subsistência individual e à própria evolução do homem. Uma relação que se iniciou pautada entre os homens ante a ausência de normatização das relações de trabalho e emprego, ou seja, desde que existe o homem, existe o trabalho.


Na ausência de normas, prevalecia a vontade do detentor de maior poder econômico, afastando-se do trabalhador o direito básico inerente a todo ser humano: o da dignidade da pessoa humana.

Os trabalhadores foram completamente subjugados durante todo o período da escravidão e após o surgimento das indústrias, esse trabalho passou a ser exigido em maior escala e maior quantidade, demandando mais mão de obra.


O trabalho manual e em baixa escala foi sendo substituído pelos maquinários e larga escala de produção, aumentando a precarização do trabalho, inclusive mediante atividades por crianças e adolescentes em condições prejudiciais à saúde e com salários inferiores aos dos adultos.


Tal situação se agravou após o surgimento da luz nas fábricas, o que permitiu que as jornadas se estendessem além do pôr do sol, impondo aos trabalhadores jornadas completamente desumanas. Aliado à degradante forma de trabalho, somavam-se os baixos salários pagos aos trabalhadores e mais baixos ainda às crianças e adolescentes.


Todos esses fatores levaram os trabalhadores à união, fazendo-os perceber que se individualmente não possuíam força para reivindicações, todavia, juntos poderiam fazer a diferença. Foi então que reivindicaram melhores condições de trabalho e salário, por ocasião da revolução industrial.


Esse movimento correspondeu ao início do surgimento do direito do trabalho, que passou a se consolidar e possui como marco inicial o ano de 1917 com o advento da Constituição do México, conhecida como a primeira Constituição Mundial a prever direitos dos trabalhadores e logo na sequência a Constituição de Weimar, da Alemanha, no ano de 1919, que também trouxe direitos trabalhistas.


No mesmo ano, por intermédio do Tratado de Versalles – instrumento internacional que encerrou a 1ª guerra mundial -, fora criada a Organização Internacional do Trabalho.


Em terras tupiniquins, o tema foi constitucionalizado pela primeira vez em 1934, na Constituição daquele ano, sendo esta a primeira constituição a trazer normas sobre direito do trabalho, muito embora já existissem diversas normas anteriores sobre o tema.


Até aquela época, os direitos trabalhistas eram tratados por legislações diversas, e alguns poucos foram elevados à categoria de norma constitucional. Foi quando se viu a necessidade de consolidá-los em um único dispositivo. Assim, surge a Consolidação das Leis do Trabalho, em 01 de maio de 1943, por intermédio do Decreto Lei nº. 5.452/43, assinado pelo presidente da época, Getúlio Vargas.


Desde então, os direitos trabalhistas foram passando por diversas alterações, sempre respeitando a sua premissa básica: garantir ao homem o seu direito de subsistência – somente auferido por intermédio do trabalho – de maneira digna, sem prejudicar a sua saúde.


Dessa maneira, surgiram diversos direitos trabalhistas ao longo de décadas: a criação do 13º salário; aviso prévio; o descanso semanal; férias; o direito à indenização de dispensa e seguros sociais; direito ao recebimento de um salário mínimo; a igualdade salarial; a jornada diária de 8 horas; limitação e pagamento diferenciado pela jornada noturna; pagamento pelas jornadas extraordinárias (in itinere, intrajornada, interjornada, sobre jornada); a proibição do trabalho de menores de 14 anos; a limitação da jornada de menor de 16 anos; a proteção à maternidade; a proteção contra acidentes no trabalho; o direito de sindicalização; instituição do imposto sindical; pluralidade sindical (assegurando maior liberdade e autonomia); o direito de greve, conciliação e arbitragem de conflitos; a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS e multa por dispensa arbitrária; regulamentação do direito das empregadas domésticas, do trabalhador rural e as atividades do trabalhador temporário, dentre outros direitos.


Por fim, nossa atual Constituição Federal, promulgada em 1988 trouxe a alguns dos direitos trabalhistas o status de cláusula pétrea, insculpidos no artigo 7º, trazendo ainda mais proteção à classe trabalhadora.


Por essa breve e perfunctória exposição da evolução histórica do direito do trabalho, podemos perceber que, ao longo da história, o ser humano, com suas relações interpessoais, que posteriormente se tornaram relações de trabalho evoluíram de um contexto de exploração e degradação humana, sendo priorizado o capital em detrimento da saúde, para uma relação mais equiparada entre capital e trabalho, respeitando-se e protegendo a classe trabalhadora com uma maior tutela ao trabalhador sem, contudo, esquecer do valor social do trabalho e da livre iniciativa.


Dessa forma, o direito do trabalho se consolidou com a sua função de proteger o trabalhador, garantindo-lhe o mínimo com dignidade ao mesmo tempo em que permite o desenvolvimento da sociedade, por intermédio da injeção de riquezas e capitais no mercado, oriundas do trabalho.

Por sua vez, a lei 13.467/2017, publicada em 13 de julho de 2017, conhecida popularmente como reforma trabalhista, trouxe inúmeras mudanças na legislação trabalhista. O País, à época, passava por grande instabilidade política e uma crise sem precedentes (até então) de emprego, o que possibilitou aos governantes a “venda” desta reforma à população sob o argumento de geração de empregos.


Assim, dentre inúmeras mudanças, destacamos neste artigo algumas que chamam a atenção: flexibilização da jornada de trabalho, intervalo intrajornada, jornada in itinere, banco de horas, o trabalho intermitente, trabalho da gestante, permissão da terceirização da atividade fim e contribuição sindical.


Por meio da análise pormenorizada dos institutos alterados, percebemos a flexibilização no aumento de jornada do trabalhador, que antes ficava limitada a 8 horas diárias de trabalho, com o máximo de 2 horas extras por dia e após a reforma poderá atingir até 12 horas de trabalho, com 36 horas posteriores de descanso.


A referida jornada de 12x36 é mais cansativa e prejudicial à saúde do trabalhador. Em razão de se tratar de uma norma que afeta a saúde e segurança do trabalhador, somente poderia ser autorizada por intermédio de negociações coletivas, enquanto que, atualmente, basta a concordância individual do trabalhador.


Assim, percebemos um movimento contrário ao da revolução industrial, onde os trabalhadores lutaram por jornadas de trabalho mais curtas. Agora, positiva-se uma jornada de trabalho mais extensa.


O intervalo intrajornada, aquele período que o trabalhador tem para descansar e/ou realizar suas refeições, equivalente a 15min em contratos de trabalho cuja duração não exceda 6h e de 01h à 02h em contratos de trabalho cuja duração ultrapasse 06h, após a reforma, passou a ser meramente indenizatório (não gera reflexo sobre as demais verbas contratuais e rescisórias) e somente sobre o período que faltou para completar o mínimo de 01h, que pode até ser negociado para um período não inferior à 30min. Na prática, o trabalhador perdeu duplamente: perdeu o período que teria para descansar e o valor que tal supressão geraria em pecúnia.


Outro ponto trazido pela reforma trabalhista foi a extinção da hora in itinere. Este instituto trazia ao trabalhador o direito de ser remunerado pelo período gasto em deslocamento entre sua casa e o local de trabalho, quando de difícil acesso ou sem transporte público, ou, ainda, quando oferecido transporte pelo empregador. Assim, restou prejudicado aquele trabalhador, geralmente mais humilde, que mora em local de difícil acesso ou sem transporte público, o qual se vê obrigado a acordar horas antes do horário de início da sua jornada para poder estar pontualmente na empresa.


O banco de horas também merece observação, posto que o excesso de horas em um dia de trabalho poderia ser compensado em outro dia, desde que estivesse previsto em convenção ou acordo coletivo e não excedesse o período máximo de um ano, respeitando também o limite diário de 10 horas de trabalho, que não podia ser ultrapassado. Atualmente, basta um simples acordo entre empregado e empregador, sem depender de qualquer intervenção sindical, sendo que a empresa poderá estender a jornada do colaborador como for de seu melhor interesse.


Mais uma vez percebemos que a alteração legislativa colocou o trabalhador e o empregador em pé de igualdade nas negociações, lembrando que as normas trabalhistas nasceram justamente da desigualdade entre o trabalhador e o empregador, ante o poder econômico deste.


Com a reforma trabalhista foi autorizado ainda o trabalho da grávida ou lactante em condições insalubres, o que, outrora era proibido. O dispositivo da reforma que permitia o trabalho da grávida e lactante em condições insalubres foi considerado inconstitucional pelo STF.


Autorizou-se também o trabalho intermitente, que como o próprio nome já diz, não é um serviço contínuo. O trabalhador intermitente deverá ser remunerado por período, recebendo pelas horas trabalhadas, devendo ser convocado para o trabalho com três dias de antecedência. O trabalhador receberá seus direitos básicos (férias, 13º e DSR) de forma proporcional ao período trabalhado e ao término deste.


Ainda no tocante ao pacote de precarizações trazidas pela reforma trabalhista, importante mencionar a autorização da terceirização da atividade fim e a extinção da obrigação da contribuição sindical.


A terceirização é um instrumento muito danoso para o trabalhador ao passo em que grandes corporações terceirizam suas atividades para empresas menores, muitas vezes sem idoneidade, com pouco capital e estrutura para oferecer amparo e segurança ao trabalhador. Assim, menor a atenção à saúde e segurança do trabalhador, o que, por via de consequência, deixa o empregado mais exposto a danos, a condições de trabalho degradantes, a riscos gerados pela preocupação estrita com o capital.


No início deste artigo, foi relatado que o proletariado, na revolução industrial, passou a perceber que possuía força apenas na coletividade, em razão da desigualdade econômica com o empregador. A partir desta percepção, nasceram as entidades sindicais, que, ao longo dos anos, ganharam autonomia e força para cada vez mais lutar pelos direitos sociais e trabalhistas dos empregados, contemplados inclusive pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 8º.


Os sindicatos possuem importante papel da defesa dos interesses dos trabalhadores, ao passo que o trabalhador - como já percebido no início do século XVIII – não possui força junto ao empregador. E o motivo é simples: A demanda por empregos é muito maior do que a oferta. O empregado precisa do seu salário para subsistir e sustentar a sua família, para viver com um mínimo de dignidade. Então, se sujeitará aos termos impostos a ele pelo empregador, uma vez que mais humilhante e degradante do que condições de trabalho severa é a ausência de trabalho e o seu consectário, qual seja: ausência de dinheiro e seus reflexos: a fome.


A partir da análise do contexto evolutivo do direito do trabalho, percebemos, nesta evolução, a importância dos sindicatos, que possuem como principal fonte de renda a contribuição social.

Contribuição social esta que anterior a 2017 tinha status de imposto por ser compulsória. Porém, tal obrigatoriedade fora retirada com a alteração da CLT promovida pela reforma trabalhista, sendo um duro e difícil golpe nos sindicatos trabalhadores.


A lei 13.467/2017 foi vendida à população como um marco no direito do trabalho, que iria desburocratizar as relações de trabalhistas, facilitando e desonerando o empregador, de modo a gerar por consequência milhões de novos postos de trabalho. A projeção, em 2017, era da criação de dois milhões de vagas em dois anos, e seis milhões em dez anos. No último trimestre de 2017, o desemprego estava em 11,8%, totalizando um número de 12,3 milhões de desempregados. No segundo trimestre de 2021, 04 anos após a reforma, o desemprego batia 13,7% correspondendo à 14,1 milhões de desocupados[1].


Dessa forma, o exame do histórico evolutivo do direito do trabalho, permite identificar, a partir de alguns pontos específicos da reforma trabalhista, que o público alvo a ser beneficiado com a referida legislação, não correspondeu aos desempregados ou à classe trabalhadora. Foram somente os empregadores e a elite.


Outro fator que dirime todas as dúvidas quanto à real intenção da alteração da legislação é que o referido diploma modificou não somente as regras de direito material, como também as de direito processual.


Dentre as mudanças, dificultou o acesso do trabalhador à justiça, por meio de limitações à concessão de Justiça Gratuita e da previsão quanto à prescrição intercorrente. Os processos na Justiça do Trabalho reduziram 32% após a vigência da reforma trabalhista[2].


A reforma foi de encontro com todos os ideais e princípios que marcaram o surgimento do direito do trabalho na sociedade, configurando em um retrocesso de mais de 100 anos.


Enquanto que a história nos mostrou que a diferença de poder entre o trabalhador e o empregador gera uma injusta relação, conquanto aquele está preocupado em subsistir de maneira digna, levando sustento para a sua família, sem prejudicar a sua saúde e mitigar a sua própria vida, este está preocupado na produção de riquezas e aumento de capital, independente da saúde física ou mental do empregado.


Assim, o direito do trabalho surgiu para proteger essa relação, trazendo consigo regras para produção de riquezas e aumento de capital, de maneira digna e saudável, mediante tutela da vida social do empregado, de maneira a evitar jornadas severas e trabalhos extenuantes, compensando-se os insalubres e perigosos, mantendo-se o mínimo de segurança e proteção na relação. A história mostrou ainda que as entidades sindicais exercem papel fundamental nesta constante e permanente luta pela melhoria nas condições de trabalho.


Dessa maneira, a legislação ao flexibilizar direitos trabalhistas e ainda enfraquecer as entidades sindicais, exigindo do trabalhador que negocie de igual para igual com o seu empregador está a chancelar a mitigação da dignidade da pessoa humana, o que implica a promoção de um regresso à era medieval com a banalização da exploração desumana do trabalho.


Não adianta. O capital move o mundo e sempre será fator decisivo em uma balança. Assim, a relação entre empregado e empregador, sempre será desigual, em razão do poder econômico. Já o era na idade média e continua sendo em pleno século XXII e assim o será posteriormente.

Para uma efetiva e plena proteção ao trabalhador, imperioso lembrar o filósofo Aristóteles: “a igualdade só se mostra possível diante de uma sociedade que, embora diversa como a natureza também é, trate cada desigual com desigualdade com o intuito de construir entre eles a equiparação, ou seja, gradativamente pôr fim a linha tênue que liga a desigualdade a certas circunstâncias”.

[1] https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2021/10/07/reforma-trabalhista-michel-temer-empregos-4-anos.htm [2] https://agora.folha.uol.com.br/grana/2020/01/processos-trabalhistas-caem-32-dois-anos-apos-reforma.shtml


Renato Roque Tavares é advogado trabalhista. Pós graduando em direito do trabalho PUC-RS. Vice Presidente Comissão do Jovem Advogado da OAB/AC 2014/2015. Secretário Geral Adjunto Caixa de Assistência dos Advogados do Acre 2016/2018. Coordenador Geral de Comissões OAB/AC 2022/2024
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