É conhecida por terceirização a relação havida entre empregado, empregador e tomador de serviços. O empregado é contratado pelo seu empregador para prestar serviços a um terceiro, o tomador de serviços. A relação entre empregado e empregador é regida pela CLT enquanto a relação entre empregador e tomador de serviços é cível, contratual.
Prevista inicialmente para um acréscimo extraordinário de serviços ou em casos de substituição de um empregado regular e permanente, as relações evoluíram para a terceirização das atividades-meio, aquelas que não se inserem na atividade finalística principal do tomador de serviços. Em uma escola, por exemplo, a atividade-fim é a educação em si, enquanto atividades como limpeza e vigilância seriam atividades-meio.
Essa justa composição social e jurídica de terceirização, a despeito de não possuir previsão expressa na lei, foi regulada durante muitos anos pela Súmula n. 331, do TST, que consolidou o entendimento dos Tribunais a respeito da temática.
Em 2017, a lei federal n. 13.429 trouxe um cenário novo, ampliando as hipóteses permitidas de terceirização, que passou alcançar também as atividades-fim, conforme entendimento firmado pelo STF na ADPF n. 324, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, e do Recurso Extraordinário n. 958.252, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Com isso, o assunto foi objeto do tema n. 725 da repercussão geral do STF, com a seguinte ementa: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Tem-se, então, uma possibilidade ampliada de terceirização de mão de obra, seja de atividade-meio ou de atividade-fim para empresas privadas. No âmbito da administração pública, contudo, esta ampliação não foi recepcionada de forma integral. Em razão das alterações legislativa e jurisprudencial, a União editou o Decreto n. 9.507/2018 tratando sobre o cabimento da terceirização no âmbito da administração pública direta e indireta, com uma série de restrições que, basicamente, limitou o campo da terceirização para as atividades-meio.
No que toca aos trabalhadores terceirizados, que, como dito, são contratados por empresas para prestar serviços à administração pública em atividades-meio, são assegurados todos os direitos previstos na CLT, férias, 13º salário, recolhimento de FGTS, intervalo intrajornada, horas extras, adicional noturno, adicional de insalubridade, dentre outros.
Diga-se, ainda, que se aplicam a eles a garantia da vedação de alteração lesiva do contrato de trabalho, prevista no art. 468, da CLT[1]. Isso quer dizer que a alteração imotivada do posto de trabalho, da jornada de trabalho – da manhã para noite, por exemplo – depende da concordância do empregado, sob pena de ser considerada nula.
A experiência de mais de 10 (dez) anos advogando na justiça do trabalho revela que há uma situação cíclica, que se repete da mesma forma com o passar do tempo. A empresa terceirizada – seja por atos de má-gestão de seus gerentes, seja por um estrangulamento financeiro causado pelo atraso no pagamento por parte do ente público tomador de serviço – uma hora ou outra vem a não conseguir cumprir com todas as obrigações contratuais junto aos seus empregados.
A partir daí, surge uma corrida dos trabalhadores para tentarem ver seus direitos reconhecidos na justiça do trabalho a tempo de encontrar patrimônio suficiente para garantir seu crédito.
De seu turno, o tomador de serviços, seja ele o Município, Estado ou União, de maneira geral, acabam por não tomar atitudes a fim de evitar que tal situação ocorra. Não há, conforme a lei lhe determina, uma fiscalização eficaz a ponto de assegurar que fosse identificado logo de início o descumprimento das obrigações, permitindo a assunção e gestão das dívidas com a utilização dos créditos ou garantias contratuais exigidas no ato da contratação, garantindo o recebimento dos créditos pelos trabalhadores.
Há, pois, na maior das vezes, uma pseudofiscalização, meramente documental, consistente na apresentação de certidões negativas e comprovantes de pagamentos de salários, sem que sejam verificados outros tantos direitos que diariamente são reconhecidos na esfera judicial.
Porém, o que falta de energia para o ente público tomador de serviço fiscalizar a fiel execução dos referidos contratos e evitar o surgimento de um passivo trabalhista futuro, é compensado com a sua implacável atuação litigiosa em juízo, buscando se esquivar da responsabilidade subsidiária do pagamento dos trabalhadores, lançando mão de todos os recursos cabíveis.
De outro lado, o cenário para o empregado só tem piorado. Em uma decisão contrária aos mais básicos princípios jurídicos, o Supremo Tribunal Federal entendeu que é do trabalhador o encargo de provar que não houve a fiscalização por parte da administração pública.
Sim. Exige-se do trabalhador a prova de que um fato não aconteceu. É o que se chama no direito de prova diabólica. Deve, portanto, o trabalhador provar que NÃO aconteceu a fiscalização por parte da administração pública. Esse entendimento foi assentado pelo STF sob o tema n. 246[2] de repercussão geral e ainda encontra muita resistência nos tribunais, a despeito de seu efeito vinculante.
O julgamento se baseia no entendimento de que não pode ocorrer uma responsabilização “automática” da administração pública decorrente do mero inadimplemento das verbas trabalhistas. No entanto, considerando a determinação legal imposta à administração pública de realizar a fiscalização, é patente que se ocorreu o inadimplemento, a fiscalização, ainda que realizada, não ocorreu de forma eficaz. E, se ocorreu corretamente, deveria a administração pública, conforme as regras processuais de distribuição do ônus da prova, demonstrar as ações relativas à fiscalização que realizou.
Esse cenário de insegurança acaba por prejudicar, como de costume, a parte mais vulnerável da situação: os trabalhadores. Geralmente pessoas humildes e trabalhadoras que entregam o suor do seu trabalho, e, em razão da administração ineficiente de seus empregadores ou dos gestores públicos, acabam sem outra saída que não seja aguardar por longos anos o desfecho de um processo judicial, com sérios riscos de não vir a receber os valores a que fazem jus, caso não seja reconhecida a responsabilidade do ente público tomador de serviços.
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[1] CLT. Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. [2] STF. Tema de repercussão geral n. 246. O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93.
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