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  • Foto do escritorDanilo Scramin Alves

A inconstitucionalidade das exceções à gratuidade da justiça previstas na reforma trabalhista

Uma das maiores preocupações das pessoas que normalmente lidam com o Direito é inegavelmente o impacto financeiro da sua utilização e movimentação. A bem da verdade, o Direito é, quase em todas as vezes, chamado em razão de questões patrimoniais, seja em interesse próprio, seja em interesse de terceiros.


É por essa razão que a ciência jurídica atualmente tem reconhecido a importância de se discutir as questões do Direito em conjunto com os fatores econômicos e financeiros relacionados. Assim, nascem estudos como aqueles do campo do Law and Economics, reconhece-se a importância dos impactos financeiros das decisões judiciais, estabelece-se a preocupação com a proporcionalidade dos resultados pecuniários das lides, dentre outras intersecções do direito com as questões monetárias.


Ao se pensar, nessa mesma linha, que o advogado representa os interesses de seus clientes, é lógico perceber que a ele cabe também atender, na medida do possível, aos interesses econômicos almejados por meio da ação. Ou seja, ao que peticiona com o objetivo de ver deferido um pedido de condenação de pagar da parte contrária, seja na petição inicial, seja na reconvenção, almeja que seu cliente receba valores que entende ser devidos.


Porém, ao mesmo tempo em que o patrono muitas vezes objetiva a condenação da parte contrária, sempre deseja, ainda, como parte do interesse econômico inerente às ações judiciais, que o processo seja concluído sem que a parte a qual representa tenha que despender de recursos financeiros de forma maior do que absolutamente imperativo.


Esses dispêndios podem ocorrer de diversas maneiras: custas processuais, honorários periciais, honorários advocatícios, depósito recursal, garantia do juízo são todos gastos que podem surgir durante uma ação. Apesar de alguns destes serem as vezes aproveitados pela parte em eventual condenação, é inegável que são valores que as partes precisam suportar.


Não são incomuns os debates acerca da validade desses gastos processuais face aos princípios constitucionais da jurisdição e do acesso à justiça, visto que, ao mesmo tempo em que parte considerável da sociedade brasileira não pode arcar com tais despesas, a necessidade destas é inerente a diversos procedimentos que ocorrem nos processos.


Considerações amplas sobre esses gastos, suas justificativas e suas limitações poderiam ser feitas, mas, com o objetivo de limitar a presente peça ao objeto próprio, será explorado especificamente o caso das custas processuais aplicáveis ao Direito Processual do Trabalho.


As custas processuais trabalhistas estão previstas especialmente no art. 789 da CLT. Em linhas gerais, tais custas serão calculadas à ordem de 2% (dois porcento) do valor da condenação, do valor da causa, do acordo ou do valor em que a parte sucumbiu, enquanto o responsável pelo pagamento poderá ser o reclamado, o reclamante ou ambos, a depender do caso.


Em caso de procedência da ação com pedidos de natureza trabalhista, o responsável pelo pagamento será exclusivamente o reclamado, que pagará 2% do valor da condenação, se houve condenação de pagar, ou do valor da causa, nas ações declaratórias ou constitutivas. Havendo pedidos de natureza não-trabalhista, vigora o entendimento de que a sistemática de sucumbência do Direito Processual Civil, em que o autor paga as custas daquilo que pediu e foi julgado improcedente e que o réu paga as custas daquilo que foi julgado procedente, é aplicada.


Em caso de acordo, respeitar-se-á o que determinado sobre o responsável pelo pagamento das custas no acordo, sendo que, se não houver qualquer disposição a respeito de tal ponto, cada parte pagará metade das custas.


Em caso de improcedência total ou extinção da ação sem resolução do mérito, o responsável pelo pagamento das custas será o reclamante.


A lógica das regras de definição do pagamento das custas visa atender a ideia de que a utilização do Poder Judiciário causa expensas, e que em todas as lides há, em tese, uma parte que as causou, visto que, não fosse necessária a intervenção do Estado para a solução do conflito, seja pela sua inexistência, seja pela sua solução pelas próprias partes, o custo público não teria ocorrido. Então, seguindo tal pensamento, nada mais correto que essa parte seja responsabilizada pelo pagamento do ônus que causou.


Assim, quando a ação é julgada procedente em relação a direitos trabalhistas, os custos foram causados pela reclamada que, de alguma forma durante o pacto laboral desrespeitou direitos do trabalhador reclamante. Nos acordos, ambos são responsáveis pela movimentação do Judiciário. Nos pedidos não-trabalhistas, eminentemente cíveis, o que pedido pelo autor e procedente é a exata medida do ato ilícito indenizável do réu, enquanto aquilo que foi julgado improcedente é excesso do autor.


Por outro lado, caso a ação seja julgada improcedente, o autor movimentou a “máquina judiciária” de forma desnecessária ao pedir direitos que não tinha, razão pela qual é sua a responsabilidade de pagamento das custas.


Similarmente, na hipótese de extinção da ação sem resolução do mérito, o que houve foi uma falha processual, em regra do próprio autor, que impede o processamento e o julgamento da ação. Assim, por ter desrespeitado alguma regra de ordem processual grave o suficiente para impedir o prosseguimento da ação, o custo da ação deverá ser pela parte autora suportado.


Em que pese essa seja a lógica, a própria Constituição prevê, em seu art. 5º, inciso LXXIV, que aqueles que estejam em estado de insuficiência de recursos terão assistência judiciária gratuita.


No âmbito do Direito Processual do Trabalho, a Reforma Trabalhista promovida por meio da Lei n. 13.467/2017 tornou essa assistência judiciária gratuita mais clara, ao modificar o § 3º e inserir o § 4º do art. 790 da CLT, estabelecendo que os magistrados trabalhistas poderão, em qualquer grau ou instância, deferir a gratuidade da justiça às pessoas que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do RGPS ou que comprovarem insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.


Ao mesmo tempo em que regulamentou a assistência judiciária gratuita, porém, a Reforma Trabalhista criou algo que antes não estava previsto na legislação: as hipóteses de exceção à gratuidade da justiça deferida. Trata-se de casos em que, mesmo tendo sido deferida a gratuidade da justiça, a parte terá de pagar pelas custas processuais.


Isso ocorrerá quando: a) sendo responsável pelo pagamento de honorários periciais, a parte tenha obtido em juízo, naquele ou em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa (art. 790-B, § 4º, da CLT); b) sendo responsável pelo pagamento de honorários advocatícios, a parte tenha obtido em juízo, naquele ou em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, ou que, em até dois anos da constituição dos honorários, reste demonstrado que cessou-se a situação de insuficiência de recursos que justificou a gratuidade (art. 791-A, § 4º, da CLT); ou c) o autor causar a extinção da ação sem resolução do mérito por ausência à primeira audiência, salvo se justificar, com base legal, a ausência em até 15 (quinze) dias (art. 844, § 2º da CLT).


O fundamento do legislador na inclusão dessas disposições parece partir do raciocínio de que, no primeiro e no segundo casos, os valores são destinados a terceiros (o perito e o advogado da parte contrária, respectivamente), enquanto no terceiro caso a condenação se daria como uma forma de punição educativa ou prática coibitiva, com o objetivo de evitar que autores não compareçam à audiência por motivos simplórios ou em razão de desistência.


Sem adentrar ao mérito da veracidade desses fundamentos, os dispositivos elencados foram objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, registrada sob o n. 5766/DF, iniciada pela Procuradoria-Geral da República em 2017.


Em apertada síntese, a ADIn tem como base a violação dos mandamentos constitucionais que perfazem os Princípios da Isonomia, da Inafastabilidade da Jurisdição, do Acesso à Justiça, da Solidariedade Social e do Direito Social à Assistência Jurídica Gratuita.


O julgamento, que somente foi concluído em 2021, teve como resultado o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que as disposições dos arts. 790-B e 791-A, § 4º, sobre a possibilidade de que o beneficiário da gratuidade da justiça tivesse que pagar honorários, são inconstitucionais, na medida em que seria contrário à Constituição a presunção da “perda da condição de hipossuficiência econômica para efeito de aplicação do benefício de gratuidade de justiça, apenas em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador em outra relação processual”.


Por outro lado, o art. 844, § 2º foi reconhecido como constitucional, vez que a extinção da causa sem resolução do mérito face à ausência do autor à audiência “frustra o exercício da jurisdição e acarreta prejuízos materiais para o órgão judiciário e para a parte reclamada, o que não se coaduna com deveres mínimos de boa-fé, cooperação e lealdade processual”.


O julgamento não foi unânime.


Parte dos ministros, encabeçados pelo relator, Ministro Barroso, entendiam pela procedência dos pedidos apenas para dar interpretação aos arts. 790-B e 791-A, § 4º, da CLT, conforme a Constituição de forma a estabelecer algumas limitações objetivas à regra da possibilidade de pagamento de custas pelo beneficiário da gratuidade da justiça.


De outro lado, parte dos ministros entendeu que os três artigos deveriam ser considerados inconstitucionais.


A ADIn ainda não transitou em julgado e está em pendência de julgamento de Embargos de Declaração. A utilização de embargos, embora não se possa ainda fazer a sua leitura, faz sentido no momento da leitura da ementa feita pelo redator, ministro Alexandre de Morais: em primeiro lugar, o item 1 da ementa faz menção à dispensa da obrigação do empregador em demonstrar a mudança na capacidade econômica do beneficiário, sendo que, nos artigos em discussão, o interesse em demonstrar a mudança na capacidade econômica seria pública ou da União, no caso dos honorários periciais, ou do advogado da parte contrária, no caso dos honorários advocatícios, e nunca do empregador réu; em segundo lugar, o item 2 se dirige à “ausência injustificada à audiência de julgamento”, enquanto deveria fazer referência à audiência inaugural ou de conciliação, e não de julgamento.


De qualquer forma, é importante notar que, apesar da vontade do legislador de criar limitações à gratuidade da justiça por meio da Reforma Trabalhista de 2017, essa limitação foi reduzida face à realidade constitucional da norma.




Danilo Scramin Alves é doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí/UNIVALI, em regime de cotutela, com dupla titulação junto à Università degli Studi di Perugia, Itália. Mestre em Direito pela Universidade de Marília/UNIMAR. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera, em Direito do Consumidor, em Direitos Difusos e Coletivos e em Ensino da Língua Inglesa pela UniBF e em Gastronomia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor do curso de Direito do Centro Universitário Uninorte de Rio Branco/AC. Analista Processual do Ministério Público do Estado do Acre. E-mail: daniloscramina@hotmail.com.

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