O presente artigo contou com revisão técnica de Mariana Moraes Lima - assessora jurídica do escritório Longuini e Khalil Advogados Associados.
Conforme explanado na edição anterior, o Direito de Vizinhança é um instituto do Direito Civil que surge a partir da necessidade de se coibir a interferência, por vezes recíprocas, entre propriedades vizinhas, sendo estas propriedades contíguas (limítrofes) ou não.
Essas interferências têm como causa não somente o crescimento demográfico dos grandes centros, mas também o constante interesse de conflitos entre proprietários e suas respectivas propriedades.
Ainda na edição anterior, abordamos a parte geral desse instituto, onde o legislador busca regulamentar os inúmeros conflitos entre propriedades e seus proprietários, sem necessariamente estabelecer normas legais básicas para as mais diversas situações conflitantes que possam surgir no convívio diário entre os vizinhos e suas respectivas propriedades.
Da mesma forma, o Código Civil Brasileiro também regulamenta situações específicas entre propriedades vizinhas da qual o legislador entende serem recorrentes, logo, passíveis de uma regulamentação prévia.
Para tanto, o legislador denominou essas situações da seguinte forma: árvores limítrofes, passagem forçada, passagem de cabos e tubulações, águas comuns, os limites entre prédios e o direito de tapagem, e, direito de construir.
Nessa edição vamos abordar as três primeiras situações tipificas no Código Civil Brasil em relação ao Direito de Vizinhança: árvores limítrofes, passagem forçada e passagem de cabos e tubulações.
O primeiro dos institutos do Código Civil que trata de forma específica das possíveis interferências nocivas de uma propriedade em detrimento de outra, foi intitulado como “Árvores Limítrofes”; e tem por objetivo regulamentar uma situação bastante peculiar, onde uma árvore está no limite de duas propriedades e de alguma forma acaba interferindo na saúde, na segurança ou no sossego na propriedade vizinha.
Para dirimir eventuais problemas que essa situação possa vir a ensejar, precisamos, antes de qualquer coisa, saber quem é de fato o dono da árvore e, nesse caso, de uma forma geral, a doutrina é bastante pontual: o dono da árvore será o proprietário do solo onde está fincado o tronco da mesma.
De outra forma, se o tronco da árvore estiver exatamente na linha divisória entre as propriedades, há uma presunção legal de que ela pertence de forma comum aos donos das propriedades confinantes (limítrofes), constituindo inclusive um condomínio (geral). Porém, ainda que se trate de uma presunção legal, admite-se nessa hipótese, prova em contrário – ou seja, que o dono da árvore é apenas um dos proprietários e não ambos.
A partir dessa situação é bastante comum surgir outras divergências entre os proprietários conflitantes, situações inclusive um tanto quanto corriqueiras, que são inerentes aos ramos, raízes e frutos de uma árvore que esteja na linha divisória de duas propriedades, ou até mesmo bem próximo a essa linha divisória.
A primeira delas ocorre quando os ramos e raízes de uma árvore limítrofe interferem na propriedade vizinha, podendo inclusive lhe causar danos materiais relevantes.
Se isto de fato ocorrer, será permitido ao proprietário vizinho – que nesse caso não é de fato o dono da árvore – podar os ramos e raízes que invadirem a sua propriedade. Importante observar que caso a opção seja pela poda, o proprietário então só poderá executá-la até o limite de sua propriedade, e deverá obrigatoriamente atentar para as normas de poda da espécie. Caso contrário, poderá ensejar em indenização material e até mesmo moral em favor do proprietário da árvore.
Já em relação aos frutos, enquanto estes estiverem na árvore, são de propriedade do dono, independente do espaço aéreo que ocupam. Porém, se vierem a cair naturalmente da árvore, passarão a ser propriedade do dono do solo onde o fruto se projetar de forma natural, isso claro se este solo for de propriedade particular.
Por derradeiro e não menos importante, há de se mencionar que se de fato o tronco da árvore estiver fincado sobre a linha divisória das propriedades conflitantes, e caso essa venha a ser arrancada; a mesma deverá ser repartida igualitariamente entre os donos dessas propriedades. E, se for caso, repartir da mesma forma, os frutos desta árvore, independente do espaço aéreo que estavam ocupando antes da sua poda total.
Esse segundo instituto do Direito de Vizinhança, tipificado pelo Código Civil, visa garantir ao proprietário de um prédio, que por algum motivo se encontra impossibilitado de ter acesso não só à via pública, mas também a uma nascente ou a um porto; passe a ter livre acesso independente da vontade ou da benevolência do proprietário do prédio vizinho que, em tese, estaria de alguma forma bloqueando essa passagem.
Importante ressaltar que esse direito, caso se faça necessário, poderá ser em face não somente da propriedade limítrofe, mas também em face de uma propriedade que não esteja nos limites da propriedade encravada, e que por algum motivo estava de fato bloqueando o acesso desta a uma via pública, a uma nascente ou a um porto.
Porém, para que faça valer o seu direito de passagem forçada, é primordial que o proprietário que esteja encravado não tenha em hipótese alguma outra possibilidade de acessar as vias públicas, a não ser se utilizando da propriedade vizinha (contígua ou não a sua). Caso contrário, não terá como fazer valer o seu direito de passagem ainda que por vias legais.
Deve-se observar que o direito de passagem forçada não contempla razões de comodidade ou praticidade. Em uma situação como essa, o proprietário poderá até conseguir exercer a passagem, mas isso ocorrerá por mera benevolência do proprietário vizinho e nunca por imposição legal.
Logo, se de fato não houver alternativa de acesso às vias públicas, porto e nascentes; então à propriedade vizinha não restará outra opção que não seja suportar o ônus de ter seu vizinho passando por sua propriedade para poder alcançar a via pública, pois se não o fizer de forma amigável será compelido a fazer por determinação judicial.
E caso, em uma situação como essa, seja de fato necessária à intervenção de um Juiz de Direito, este por sua vez deverá fixar o caminho a ser utilizado; e quando o fizer deverá optar pelo rumo, ou pelo imóvel (caso seja mais de uma pessoa que esteja bloqueando o acesso à via pública) que mais naturalmente e/ou facilmente se preste à passagem forçada.
Importante observar que, ao contrário do que imaginamos, o prédio que se preste a suportar o ônus de ceder à passagem a outro, tem sim direito a eventual indenização material. E isso poderá ocorrer, por exemplo, quando ao se utilizar da passagem, o proprietário do prédio encravado cause algum prejuízo de ordem material a propriedade que lhe está servindo.
Os mesmos direitos e deveres deverão incidir caso ocorra alienação parcial de um prédio e, em virtude dessa alienação, uma das partes venha a perder o acesso a uma via pública, a uma nascente ou a um porto. Ou seja, o proprietário da outra deverá tolerar a passagem.
A passagem forçada é comumente confundida com o direito real de servidão de passagem, uma vez que na prática são muito semelhantes inclusive ao objetivo a que se prestam. Mas do prisma jurídico existem diferenças essenciais entre os dois institutos que acarretam consequências jurídicas bem distintas para as propriedades e proprietários envolvidos.
A servidão de passagem, ao contrário do direito de passagem, não admite presunção. Ou seja, para ela existir, do ponto de vista legal, precisa obrigatoriamente ser registrada no cartório de imóveis, observando dessa forma um princípio básico dos direitos reais, qual seja o da publicidade e/ou visibilidade.
Uma vez constituído em conformidade com a norma legal a relação entre as partes envolvidas, deverá seguir estritamente o disposto no Código Civil de forma a contemplar outro princípio basilar do direito das coisas, isto é, o da tipicidade.
Outro ponto fundamental que diferencia ambos os institutos é a sua forma de extinção. Enquanto o direito a passagem forçada se extingue a partir do momento que surge uma possibilidade do proprietário acessar a via pública a partir da sua propriedade, sem necessariamente depender de outras propriedades, ainda que ela seja menos vantajosa.
O direito real de servidão, por sua vez só se extingue com respeito a terceiros ou quando cancelada.
Segundo o Código Civil Brasileiro, isso pode ocorrer: quando houver renuncia do titular do direito, quando houver cessado para o prédio dominante a utilidade ou comodidade que levou a sua constituição e mediante o resgate do prédio serviente.
O Código Civil ainda admite como forma de extinção da servidão predial a junção (consolidação) dos dois prédios em um só, pelo não uso durante 10 (dez) anos consecutivos ou pela supressão das obras por efeito de contrato ou outro título expresso.
Esse instituto foi uma das inovações trazidas pelo atual Código Civil Brasileiro quando da sua publicação em 2002.
Através dele, o legislador impõe ao proprietário vizinho a obrigação legal de tolerar a passagem através de seu imóvel de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos que tenham por objetivo proporcionar serviços de utilidade pública em favor de propriedades vizinhas, sendo elas contíguas ou não à sua propriedade.
Deve-se observar que o proprietário só terá obrigação de tolerar a passagem de cabos ou tubulações pela sua propriedade se não houver necessariamente outra alternativa, ou ainda que essa exista, ela seja excessivamente mais onerosa.
Ao proprietário que vai ceder sua propriedade, cabe o direito de exigir que sejam feitas obras de segurança à custa do vizinho que irá se utilizar da sua propriedade, caso as tubulações ou cabos em questão tragam grave risco a sua propriedade. Cabe-lhe ainda, o direito de exigir que a instalação seja feita da forma menos onerosa a sua propriedade.
Da mesma forma que se em algum momento a instalação precisar ser removida para outro local do seu imóvel, as despesas inerentes à obra de remoção serão de responsabilidade do proprietário do prédio que se presta a servir o prédio vizinho.
Isso se deve ao fato que, a época que as obras foram realizadas à custa do proprietário vizinho, este por sua vez e por imposição legal, já adotou a solução menos onerosa a propriedade que lhe está servindo.
Bastante objetivo, o direito da passagem de cabos e tubulações passou a ter maior relevância ao longo dos anos com o advento da expansão do fornecimento de gás encanado em detrimento da tradicional botija e principalmente com a expansão da rede mundial de computadores.
No âmbito do acesso a internet, devemos observar que a Organização das Nações Unidas (ONU) já o considera como um Direito Fundamental e entende que não permitir esse acesso é sim uma violação a esse direito.
Ainda nessa seara, aqui no Brasil, temos a Proposta de Emenda a Constituição 08/2020. Ainda em trâmite, a referida Emenda tem por objetivo incluir o acesso a internet no rol dos Direitos Fundamentais elencados no artigo 5º da Constituição Federal.
Robson Amaro é graduado em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade Metropolitana de Santos Especialização em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito MBA em Gestão e Marketing pela Universidade Gama Filho. Durante pouco mais de 20 anos de carreira acumulou experiência em diversas diversas áreas do direito, com destaque para o Direito Marítimo. Atuou em diversos projetos de desenvolvimento sócio econômico, junto a comunidades tradicionais em quatro estados da Amazônia Legal. Atualmente vem desenvolvendo suas atividades como professor de Direito Civil do Centro Universitário UNINORTE na cidade de Rio Branco, capital do Estado do Acre.
Comments