Eis que você tem um negócio ou é advogado prestando assessoria jurídica para empresas do segmento privado e vê que seu cliente está fechando contratos com alguns profissionais de serviço publicitário como agências, designers e blogueiras – ou influenciadoras digitais, como são mais conhecidas atualmente.
Certamente você não deixará seu cliente celebrar tais contratos sem os devidos cuidados. Mas, falando nos influenciadores, quais cuidados especificamente se devem ter? Ou será que essa é uma atividade de comunicação sem regramento, que pode ser feita de maneira completamente livre?
Certamente que não. E é sobre isso que conversaremos aqui.
A sociedade humana tem evoluído e mudado em ritmo cada vez mais rápido, até mesmo frenético. O formato de negócio que era dominante há 5 anos muito provavelmente está defasado hoje, caso não tenha se atualizado.
Do mesmo modo, com o progresso digital e a sua massiva aceitação no seio social, inúmeras novas profissões baseadas na tecnologia surgiram, e outras se modificaram, nos últimos anos.
A atividade de influenciador digital é uma das profissões mais recentes que encontramos hoje nas sociedades capitalistas.
Tal profissional se ocupa em divulgar produtos, serviços e empresas através de suas redes sociais particulares utilizando sua própria imagem e contatos no meio digital.
Em geral, são pessoas que possuem dezenas de milhares de seguidores em redes como o Instagram e exercem certa influência nas decisões de compra e aspirações daqueles que os seguem.
Empresas pagam para que os influenciadores divulguem seus produtos, informando as características, preço, vantagens e os canais de compra.
É, indubitavelmente, um novo meio de comunicação publicitária, tendo em vista que visa primordialmente vender. Embora sua eficácia tenha sido questionada no início, hoje já não é mais colocada em xeque como um canal de comunicação que existirá doravante.
Sendo, então, um meio ou canal de comunicação publicitária, essa atividade deve seguir o ordenamento jurídico de defesa do consumidor.
Portanto, iremos analisar a sua relação com o princípio da identificação publicitária, visando buscar se os profissionais o respeitam ou o descumprem.
Previsto no Art. 36 do CDC, o princípio em análise traz a obrigatoriedade da peça publicitária, qualquer que seja a sua natureza, ser de fácil identificação. Em outras palavras, o consumidor deverá ser capaz de reconhecer de imediato e com facilidade que aquela informação que está chegando até ele é uma comunicação publicitária. Para tanto, diz o referido dispositivo legal que “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”.
Não se trata de uma inovação brasileira, mas sim de uma forma de defesa do consumidor diante da sua vulnerabilidade – em suas mais variadas formas – que consta em dispositivos legais em diversos países.
Essa obrigatoriedade certamente limita a atividade criativa do publicitário, entretanto, se faz de extrema necessidade considerando que a publicidade possui ferramentas e estratégias muito poderosas de convencimento e persuasão.
A ideia e o objetivo de tal princípio é garantir ao consumidor que ele está diante de uma informação paga, não gratuita, que tem a intenção de vender um produto e serviço. Desse modo, aquele que é destinatário da informação tem condições intelectuais e tempo hábil para se preparar conscientemente para a mensagem patrocinada.
A ideia é garantir ao consumidor que ele está diante de uma informação paga, não gratuita.
Além de ser previsto no Código de Defesa do Consumidor, o princípio da identificação publicitária também está positivado no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, em seu Art. 28, que nos traz a seguinte redação: “O anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação”.
Isso denota a importância da identificação publicitária, considerando que o próprio mercado publicitário, regulamentado pelo CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – preza pela capacidade do consumidor de identificar a publicidade como tal, sem se esconder atrás de subterfúgios criativos.
Conhecendo as nuances do princípio objeto deste artigo, podemos entender melhor como defender os consumidores e como criar contratos para as empresas produzirem suas campanhas publicitárias mais de acordo com a identificação publicitária e reduzir as probabilidades de elas infringirem dispositivos de proteção legal do consumidor.
Em suas divulgações, influenciadores digitais devem seguir os preceitos e as determinações do Código de Defesa do Consumidor e do CONAR, pois a eles são submetidos.
Entretanto, salvo casos de influenciadores de alcance nacional, o que se percebe é que seus anúncios não trazem qualquer informação direta e clara ao consumidor que aquele conteúdo foi pago por uma empresa para que o profissional o apresentasse em suas redes sociais.
Ou seja, é muito comum ver a atividade de influenciadores violar o princípio da identificação publicitária.
Isso pode levar o consumidor à confusão, à dúvida e ao engodo pois este irá acreditar que aquela publicação feita pelo influenciador foi por livre iniciativa com cunho de mera indicação de um produto, serviço ou empresa. Em realidade, o post foi pago para ser feito.
O que ainda se vê, em casos cotidianos, é a publicação ser seguida ao final do seu texto por algumas hashtags como #publi, #ad, #publipost ou #publicidade, na vã tentativa de se dizer ter cumprido com os dispositivos legais da identificação publicitária.
No entanto, o uso de tais hashtags não se mostra suficiente para que se dê como cumprida essa responsabilidade do anunciante.
É de conhecimento comum, facilmente atestável, que nem todas as pessoas saberiam o significado de tais hashtags. Deve-se ter em mente que os internautas e usuários de redes sociais hoje são dos mais variados perfis econômicos, etários e de nível de instrução.
Ainda, lembrando que para que os arts. 36 do CDC e 28 do Código de Autorregulamentação Publicitária sejam cumpridos, a identificação publicitária deve ser fácil, imediata e sem deixar margem para interpretação contrária. Usar essas hashtags ao final do texto da postagem nem de longe se pode dizer que cumpre com esses requisitos.
Para solucionar esse problema, o Instagram – principal meio de anúncios online hoje – oferece a ferramenta chamada “parceria paga com”.
Utilizando-a, o influenciador marca a empresa que pagou para que ele fizesse aquele post, assim os seus seguidores identificarão de modo fácil e rápido que se trata de uma publicidade e saberão qual empresa pagou por ela.
Mas na maioria dos casos vistos os profissionais não utilizam essa ferramenta, alguns dão preferência ao uso insuficiente das hashtags e outros nem mesmo isso fazem.
Ainda se poderia defender que um influenciador digital é largamente conhecido na sociedade e todos sabem que o que ele publica é pago por empresas.
Esse argumento não se mostra suficiente, pois as redes sociais desses profissionais também são suas redes sociais particulares, nas quais eles publicam fatos da sua vida pessoal.
Desse modo, muitas vezes eles publicam uma mera opinião sobre uma empresa ou produto sem que tenham recebido por isso. Assim, conteúdo pago e conteúdo orgânico, espontâneo, se misturam e o consumidor, tendo em vista a sua vulnerabilidade, não teria condição de reconhecer o que é cada um.
Ademais, aqui se repete o fato de o público nas redes sociais ser diverso em todos os aspectos, então haverá pessoas que não saberão identificar que aquela pessoa é na realidade um influenciador e que ele trabalha com isso.
Os profissionais da publicidade possuem larga e vasta capacidade argumentativa e persuasiva. Eles utilizam essa capacidade de modo parcial, agindo em favor do anunciante para manipular os desejos e impulsos do consumidor. São até mesmo capazes de disfarçar e esconder o discurso manipulador em formatos que em uma análise descuidada pareça ser natural, não publicitário.
Por esse fato, o consumidor se encontra em vulnerabilidade e os dispositivos legais procuram protegê-lo, impondo que toda comunicação publicitária seja identificável clara e imediatamente.
Os influenciadores digitais não podem fugir a esse mandamento legal, devem cumpri-lo de maneira eficaz.
Considerando tudo aqui visto, primeiramente se chega à conclusão de que os influenciadores digitais precisam tomar o cuidado de identificar as publicidades que divulgam, sob pena de também serem responsabilizados.
Ainda, a função dos advogados é assessorar seus clientes para que se faça constar em seus contratos com os influenciadores uma cláusula que os obriga a identificar suas postagens utilizando meios eficientes para tal, como a marcação de “parceria paga com”, já disponibilizado pelo Instagram.
Devemos ter em mente que todos nós somos consumidores em algum momento do cotidiano, seja ao sairmos às compras ou consumindo serviços necessários como fornecimento de internet ou energia elétrica. É justamente para defender os direitos difusos de uma categoria vulnerável da população na qual todos estamos que contamos com diplomas legais como o CDC e ainda com a atuação do CONAR com o Código de Autorregulamentação Publicitária.
Leonardo Vasconcelos é Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Uninorte, pós-graduando em Direito Contratual. Editor-Chefe da Revista Capital Jurídico e Publicitário.
Comments