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Foto do escritorLeonardo Fontes Vasconcelos

O uso da tecnologia no ensino jurídico

Há uns meses, eu e alguns colegas docentes estivemos envoltos em um debate conceitual e prático sobre o uso da tecnologia no processo de aprendizagem (suprimi o termo “ensino” propositalmente). A questão central era se a tecnologia efetivamente ajuda no processo ou se é apenas uma “ilusão de facilidade”, nas palavras do professor Cássio Pinheiro, grande Mestre em educação.

 

O contexto se deu por vermos que algumas instituições de ensino usam o discurso de serem altamente tecnológicas e antenadas ao novo tempo, uma vez que implementaram uma série de soluções digitais que seus docentes e acadêmicos devem seguir.

 

Além da pergunta acima feita, o uso da tecnologia exige que o docente, ou instituição de ensino, faça ainda outra: o aluno contemporâneo sabe que existem outras formas não tradicionais de estudar? Ou seja, indo além da aula expositiva em sala de aula?

 

Minha experiência com a docência, palestras e manejo da tecnologia em suas diversas facetas, me leva a observar que há uma crença generalizada de que a geração atual é expert no mundo digital e virtual.

 

Pois bem, não me é arriscado dizer que essa crença está errada, isso em um país com o nível de analfabetismo funcional e tecnológico como o Brasil, uma nação que não completou sequer uma das três revoluções industriais (quando o mundo já iniciou a quarta revolução), um país que possui parcos centros tecnológicos no estilo do Vale do Silício e nenhum na mesma magnitude.

 

Nossos alunos no nível superior, em regra, não percebem que há outras formas de estudar. Quando muito, assistem a vídeos no YouTube.

 

Seria exagero imaginar que uma parcela dos alunos até mesmo se questiona o porquê de estudar? Visto que em muitas instituições de ensino a aprovação é quase sempre garantida, independentemente da proficiência do acadêmico.

 

Vamos convencionar e partir da premissa de que temos dois grandes grupos de acadêmicos no nível superior: aqueles que apenas querem se formar e não se preocupam com a sua atuação futura quando forem profissionais e aqueles que se preocupam já na graduação com a qualidade dos profissionais que serão. O primeiro grupo tem a tendência de se contentar com o pouco ministrado em sala de aula, até exigindo que seja ministrado pouco. Lembrando que aula alguma de graduação aborda tudo o que há sobre a disciplina tratada.

 

Claro, em uma sociedade tão diversificada culturalmente e economicamente, devemos levar em consideração as condições e individualidades de cada um. Afinal, desafios sempre estarão presentes no processo de aprendizagem, sendo até mesmo inerentes a ele, isso sob a ótica de Piaget, que cunhou o conceito de desequilíbrio cognitivo.

 

O aluno precisa ser provocado a sair de sua zona de conforto cognitivo/equilíbrio. Pensa comigo, o equilíbrio cognitivo é a estabilização do conhecimento, permanecer eternamente nesse estado estável significa não aprender algo novo, continuar sempre estacionado no seu atual arcabouço intelectual.

 

O que quero dizer é que o incômodo é essencial ao aprendizado verdadeiro. Estou falando sobre querer aprender mais, querer adquirir habilidades que o tornem capaz de realizar mais coisas.

 

Se estivermos diante da categoria dos alunos que querem apenas o diploma, dificilmente eles se permitirão mover-se do seu estado de equilíbrio, provocarem a si mesmos, para buscar os métodos não tradicionais de aprendizagem.

 

Nesse cenário, é mais provável que a tecnologia introduzida seja uma mera ilusão de facilidade, uma quimera.

 

Todo esse nosso percurso culmina na suspeição quanto à efetividade da tentativa das instituições de ensino superior, em especial no curso de Direito, em “forçar” o uso de metodologias ativas de aprendizagem, notadamente aquelas com base em tecnologias muitas vezes desenvolvidas pela própria instituição.

 

Já conversamos sobre alguns problemas que os docentes costumeiramente encontram em parte da geração atual de acadêmicos, em especial o baixo interesse pelos estudos. Se algum acadêmico não valoriza adequadamente seus estudos e não direciona esforço pessoal para o seu progresso intelectual, dificilmente uma tecnologia vai incentivá-lo a fazer isso. O que realmente incentivará o aluno é a abordagem utilizada pelo ser humano professor e a conexão que ele vir a construir junto ao acadêmico.

 

Aqui entra um problema que percebemos no cotidiano: algumas instituições de ensino superior, com base naquela falsa percepção de que a geração atual é constituída por experts em tecnologia, empurram goela abaixo plataformas virtuais para que os alunos as utilizem obrigatoriamente no seu processo de aprendizagem e, pior, cobram dos docentes que eles as alimentem com produtos como produção de vídeos para comporem essas plataformas.

 

Nem vou me adentrar no aspecto trabalhista, se o contrato do docente para dar aula em sala de aula cobre também a produção de conteúdo de vídeo online, muito menos ainda se a remuneração do professor o incentiva minimamente a despender mais tempo do seu dia para essa produção.

 

Vamos nos ater à análise do aluno. Em todas as minhas turmas, sem exceção, desde que comecei a ministrar aula nos cursos de bacharelado em Direito, sempre teve no mínimo uma pessoa de mais idade. Além deste, ainda posso assegurar que há um quantitativo razoável de alunos mais jovens que não têm familiaridade com a tecnologia, que a utiliza meramente para chats e redes sociais, saindo disso, têm enorme dificuldade.

 

Aqui cabe mais uma pergunta (o leitor já percebeu que este escrito é mais provocativo do que definitivo, não é?), será que a imposição do uso de tecnologia indiscriminadamente, vinda de cima para baixo (top-down), é salutar ao processo de aprendizagem ou seria aquela quimera? A meu ver, trata-se mais da já mencionada ilusão de facilidade.

 

Sim, eu uso tecnologia nas minhas metodologias ativas, bem como também ministro uma aula mais tradicional em que debatemos em sala um aspecto legal a partir de um artigo de lei, um julgado ou um artigo científico.

 

Mas quando uso tecnologia eu faço isso em conjunto com os alunos daquela turma em específico. A partir da minha ideia primordial, nós ajustamos a metodologia para as especificidades da disciplina, do conteúdo e daquela turma em específico. Ou seja, no contexto da minha prática, não há uma imposição, há uma construção em conjunto, o que possibilita que os alunos criem o sentimento de pertencimento pelo que iremos fazer juntos e abracem o uso tecnológico. Sem mencionar que isso contribui para uma maior percepção e sentimento de confiança mútua entre docente e discente.

 

Para finalizar, e liberar o leitor para preparar uma xícara de chá para refletir sobre esta nossa conversa, o que eu trouxe aqui é uma provocação sobre o uso da tecnologia no ensino superior, que pode ser uma ferramenta valiosa se integrada de maneira reflexiva e colaborativa.

 

A imposição top-down pode ser contraproducente, ignorando as necessidades e a familiaridade dos envolvidos com o digital. É crucial não ver a tecnologia como panaceia, mas como um complemento ao ensino bem fundamentado. A exclusão digital, um reflexo das desigualdades socioeconômicas, é um desafio a ser seriamente considerado. Propõe-se um diálogo franco sobre como maximizar o potencial tecnológico para enriquecer a educação, observando-se a ética e a inclusão.



Sobre o autor

Leonardo Fontes Vasconcelos: Professor universitário e do quadro da Escola Superior de Advocacia da OAB Acre. Pesquisador do Grupo de Pesquisa da Escola Superior do MPPR. Advogado trabalhista licenciado. Assessor do MPAC, diretor da Capital Jurídico, especialista em direito digital, coautor da primeira norma regulamentadora de Inteligência Artificial na advocacia brasileira. Autor da primeira petição inicial escrita com inteligência artificial protocolada no Judiciário. Membro vitalício da Academia de Letras Jurídicas do Acre. Membro consultivo da Comissão de Ensino Jurídico da OAB Acre.

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