Os tributos sempre são um assunto difícil de se falar, é a coisa mais comum do mundo reclamar deles, seja da complexidade, seja da alta carga tributária, dificilmente alguém está contente com a situação dos tributos no Brasil.
Há décadas se discute no Brasil a necessidade de reformar o sistema tributário nacional. Vários setores da sociedade veem comentando sobre a insustentabilidade do atual regime que se mostra profundamente regressivo, isso é, pesa sobre os mais pobres; ineficiente, causando distorções no mercado que não induzem a alocação eficiente em sua máxima potencialidade; complexo, causando uma enorme judicialização e confusão para com o contribuinte.
O Banco Mundial analisa diversos modelos de tributação desde sua fundação, foi certeiro ao dizer quais devem ser as características de um bom sistema tributário. Segundo um artigo publicado no site da instituição em 2018, um bom sistema tributário deve ser simples, transparente, eficiente, garantir a equidade por meio da progressividade, minimizar as distorções de mercado e promover a competitividade.
Sendo assim, um bom sistema econômico deve ser totalmente diferente do que existe no Brasil hoje. Nosso sistema tributário peca quando o assunto é promover qualquer uma das características elencadas pelo Banco Mundial. E não é exagero algum dizer que isso é causa de uma deficiência do Estado na promoção da Cidadania, uma vez que entre os principais afetados por esse sistema caótico são os cidadãos brasileiros que em seus negócios e suas compras sofrem o ônus em suas compras e seus negócios.
A reforma tributária, apresentada e aprovada por meio de PEC na câmara dos deputados, pode contribuir para melhorar a relação entre fisco e contribuinte hoje muito abalada devido aos problemas supracitados.
O Estado é a uma das mais complexas instituições de nossos tempos. É o Estado que possui o poder da coerção e o monopólio legítimo do uso da força. Esse é um poder que muitas vezes é imposto de cima para baixo, gerando inúmeros conflitos com os indivíduos, esses conflitos, em especial os envolvendo tributos, foram propulsores de transformações significativas na própria estrutura do Estado e em sua modernização.
Um exemplo claro disso foi o surgimento da Magna Carta Inglesa, que entre outras mudanças trouxe a proteção contra os impostos excessivos. Outros exemplos são a Revolução Americana que teve como estopim a Lei do Selo e a tributação sobre o Chá, e no caso Brasileiro a Inconfidência Mineira que tinha como principal motivo barrar a cobrança excessiva de impostos por parte da Coroa Portuguesa.
Os exemplos são para mostrar como a relação entre Estado e Indivíduo é particularmente conflituosa quando se tratam de tributos.
No caso brasileiro, hoje regido sob o Estado de Direito, esse conflito se dá principalmente nos tribunais, a complexidade do sistema tributário, as inúmeras alíquotas, a falta de transparência, são alguns dos motivos de ter tanta discordância entre o fisco e o contribuinte, gerando um contencioso tributário particularmente grande no Brasil. Um estudo em defesa da reforma tributária, Mendes, Lisboa, Gobetti e Vasconcelos (2021) abordaram esse problema bastante frequente no jurídico de empresas:
Também aumenta o custo administrativo da empresa para calcular e pagar impostos. Um sistema com múltiplas alíquotas e benefícios diferenciados se torna mais complexo, permitindo diversas interpretações, o que origina contencioso tributário e todo o custo de transação a ele associado.
Em 2019, a soma dos créditos tributários cobrados em processos judiciais e administrativos por todos os entes federativos foi de R$ 5,4 trilhões, que equivalem a 75% do Produto Interno Bruto (PIB)14. Esse valor representa mais do que o dobro da arrecadação total dos entes federativos naquele ano.
(LISBOA, Marcos. MENDES, Marcos. GOBETTI, Sérgio Wulff. VASCONCELOS, Breno. Sete mitos sobre a Reforma Tributária. INSPER, 2021. P 9)
O Alto nível de judicialização mostra que o Estado não está sendo claro na sua função de criar e cobrar os tributos, e está usando da coerção para fazer valer o seu interesse, gerando uma profunda incerteza que é decidida no judiciário, aumento os custos no mercado. Não à toa o empresariado é um dos principais interessados em uma reforma que retire as incertezas atuais e promovam a competitividade.
A principal resposta da Reforma Tributária (PEC 45/19) para os problemas do Sistema Tributário Nacional (STN) é a instituição de um Imposto Sobre o Valor Agregado (IVA), que é um imposto simples, uma vez que é um tributo cobrado apenas no destino, não na origem, desonerando as cadeiras produtivas; transparente, pois ao contrário do sistema atual, contém uma alíquota uniforme, com poucas exceções e eficiente, dado que ao tira um incentivo ruim que consiste na empresa basear sua atuação em aproveitar benefícios tributários ou realizar pressão legislativa para os ter, ela deve então buscar crescer e se consolidar no seu setor por meio da eficiência na produção de bens ou prestação de serviços.
Com a simples adoção do IVA, chamado na reforma tributária de Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS). Teremos a substituição dos tributos PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS pelo IBS e CBS.
Também temos a figura do Imposto Seletivo, este último destinado para produtos e serviços que gerem impactos ambientais ou afetem a saúde. Apesar de não ser uma unanimidade no empresariado, sofrendo críticas ante o possível aumento da carga tributária em alguns setores e de que caso seja homologada, será com uma versão mais inchada do que apresentado inicialmente, a Reforma Tributária representa um avanço em termos de política econômica, pois garante um mercado mais eficiente e competitivo, tendendo a diminuir o contencioso tributário.
Ainda, devemos falar sobre a questão da equidade. É uma discussão de extrema relevância, uma vez que muitas críticas às tentativas de reformar o STN consistia na premissa de que privilegiava a competividade e deixava de lado a justiça social.
A Constituição Federal elenca entre seus objetivos fundamentais a construção de uma sociedade justa e solidária, a redução das desigualdades sociais e a erradicação da pobreza. Segundo Novelino (2021) “A construção de uma sociedade justa e solidária (princípio da solidariedade) e a busca pela redução das desigualdades sociais e regionais estão associadas à concretização do princípio da igualdade, em seu aspecto substancial (igualdade material).” e “A erradicação da pobreza é uma das muitas concretizações do princípio da dignidade da pessoa humana, por estar indissociavelmente relacionada à promoção de condições dignas de vida.”
E tendo em vista que a PEC/45 trata de uma reforma no consumo, que pesa no orçamento das famílias mais pobres, uma vez que tem pouca margem para poupar e tendem a consumir muito mais que a classe média e alta, em relação à sua renda, o imposto sobre o consumo se mostra regressivo, pesando sobre a classe baixa.
Para contornar a situação, a reforma aprovada na câmara traz duas soluções, uma utilizada hoje como forma de justiça tributária, que é a isenção de imposto para produtos da cesta básica. Uma medida bem intencionada, porém, que tende a beneficiar também a classe média e alta, uma vez que essas também se aproveitam dos benefícios fiscais que deveriam ser focados nos mais pobres. A inclusão dessa isenção foi necessária no jogo político para aprovar a reforma, pois havia um temor de que produtos básicos sofressem aumento de imposto.
Contudo, uma medida bem mais eficiente e que vem para melhorar nossa malha de assistência aos necessitados é a instituição de um cashback, sendo assim, a população de baixa renda vai ter parte de seu imposto restituído, sendo um política totalmente focada nos mais pobres. Desta maneira, essas pessoas poderão efetivamente usufruir de um sistema tributário que não sufoque com força seus rendimentos e ver restituída parte de sua renda.
Outrossim, outra maneira que as pessoas físicas em especial serão beneficiadas pela aprovação da reforma tributária é com a transparência que o novo sistema terá, hoje saber quanto imposto se paga por um produto é algo muito difícil, com o advento do IBS e da CBS, essa complexidade será fortemente diminuída o que a aumentará a transparência entre Governo, Empresariado e Sociedade Civil. Esta terá mais informações para exercer a sua cidadania ativamente, seja para diminuir ou aumentar os tributos.
No fim das contas, a reforma não vem necessariamente para diminuir a alta carga tributária, mas sim para melhorar o desenho do Sistema Tributário Nacional, assim, facilitando essa diminuição.
A PEC 45/19, conhecida por reforma tributária, caso seja aprovada será uma das trará mudanças que nosso arcabouço jurídico. Ela não é perfeita, mas tal como está hoje é um avanço que vai mudar muitas a forma como o fisco e contribuinte se relacionam hoje em dia, diminuindo a tensão da judicialização e a ânsia por justiça social.
Não quer dizer que esses fenômenos deixarão de existir, mas sim que diminuirão e passarão a ser encarados de outra maneira. O governo será mais transparente, dando as condições para que o mercado promova eficiência e competividade, e diminuirá a regressão do atual sistema deixando de sufocar a renda da população mais pobre e garantindo a restituição de imposto para ela de uma forma mais focalizada e eficiente.
Também devemos lembrar que com a simplificação e transparência, as informações sobre a carga tributária será muito mais acessível para os cidadãos, proporcionando que estes tomem decisões mais convictas sobre o rumo político do Brasil.
BIBLIOGRAFIA
LISBOA, Marcos. MENDES, Marcos. GOBETTI, Sérgio Wulff. VASCONCELOS, Breno. Sete mitos sobre a Reforma Tributária. INSPER, 2021.
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional / Imprenta: Salvador, JusPODIVM, 2021.
BANCO MUNDIAL. Una conversación necesaria sobre los sistemas tributarios. In: Una conversación necesaria sobre los sistemas tributarios. [S. l.], 18 set. 2018. Disponível em: https://www.bancomundial.org/es/news/feature/2018/11/13/una-conversacion-necesaria-sobre-los-sistemas-tributarios. Acesso em: 16 ago. 2023.
O AUTOR
Yzaahu Paiva é Advogado, formado pela Universidade Federal do Acre.
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