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  • Foto do escritorPedro Paulo e Silva Freire

Contratos Eletrônicos: Conceito e validade

INTRODUÇÃO: Conceito

A sociedade evolui forçando o direito a se amoldar a estas mudanças. Atualmente, o mundo digital tem ganhado espaço no dia a dia das pessoas, sendo realizados contratos válidos, formais ou informais, seja por aplicativos, sites, endereços eletrônicos ou outros.

 

Segundo os ensinamentos de Patrícia Peck Pinheiro: “O Direito Digital consiste na evolução do próprio Direito, abrangendo todos os princípios fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados até hoje, assim como introduzindo novos institutos e elementos para o pensamento jurídico, em todas as suas áreas” (PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito..., 2008, p. 29).

 

Um exemplo dessa evolução é o crescente surgimento de mercados on-line, onde há a compra de produtos por meio de sites eletrônicos. Negar tal modalidade de contrato, é negar o princípio da liberdade estabelecido na Lei Maior e nas leis infraconstitucionais.

 

O Contrato em geral é um negócio jurídico, ou seja, é uma relação jurídica entre duas ou mais pessoas, pelo qual essas manifestam sua “vontade negocial”.

 

Esse conceito prévio também se aplica aos contratos eletrônicos, os quais também são um instrumento por meio do qual as partes manifestam sua “vontade negocial”, contudo diverge dos demais contratos em razão do meio pelo qual são “firmados”.

 

O contrato eletrônico não é aquele feito por meio de um computador, já que podemos firmá-los por meio de um celular, tablete ou qualquer outro meio eletrônico. Também não é um contrato firmado via internet ou a distância, pois podem perfeitamente ser firmados presencialmente por meio de “gadgets” (dispositivo eletrônico portátil) tais como assinadores eletrônicos de documentos e etc.

 

Com base no acima disposto fica muito difícil conceituar contrato eletrônico. Na realidade quase impossível, tendo em vista que se usar os parâmetros de meio de concretização do contrato corre-se o risco de rapidamente se desatualizar.

 

Pense bem, a 20 anos passados quem imaginaria que seria possível firmar contratos via um “personal computer” (PC) ou, há 15 anos, quem imaginaria que daria para comprar qualquer coisa em qualquer lugar por meio de um aparelho celular? Quais tecnologias podem surgir em 5 ou 10 anos?

 

Portanto, o conceito mais adequado, ao meu ver, é: contratos eletrônicos são negócios jurídicos cujas manifestações de vontade, multi ou plurilaterais, formais ou não, são expressadas de forma eletrônica /virtual, independente do meio utilizado, sendo celebrado por transmissão eletrônica de dados, excetuando-se os casos em que a lei exija forma específica.

 

Veja que o conceito supra determina a forma eletrônica de concretização do contrato, mas não limita a um “meio”. Dessa forma, caso haja uma nova tecnologia que mude a forma de contratação, não serão contratos eletrônicos, mas sim outra modalidade de contrato que precisará ser conceituado. Todavia, ainda que mude o meio, se o contrato for firmado via “transmissão eletrônica de dados” continuará sendo um contrato eletrônico.

 

VALIDADE

Aplicabilidade da legislação atual

Para analisar a validade dos contratos eletrônicos o primeiro aspecto a ser abordado é a necessidade ou não de regulamentação própria.

 

A pergunta é: a lei vigente serve para regular os negócios jurídicos realizados de forma eletrônica?

 

A Doutrina se divide em 3 correntes. A primeira delas afirma que a lei atual não se presta a regular as relações eletrônicas, sejam elas virtuais ou não, sendo patente a necessidade de edição de normas específicas para tanto.

 

A segunda corrente afirma que a lei atual (CC, CPC e outros) são suficientes para regular tais relações, podendo-se aplicar analogamente as previsões relativas aos contratos em geral para os contratos eletrônicos.

 

Por fim, a terceira corrente, chamada mista, afirma que a legislação atual é perfeitamente aplicável aos contratos eletrônicos, excetuando-se casos específicos, tais como os casos de segurança da informação, assinatura eletrônica e outros.

 

A terceira corrente, com o devido respeito a todos os doutrinadores adeptos das outras, é a que entendemos ser a mais correta, tendo em vista que a legislação atual é dotada de princípios gerais que podem ser aplicados e que normas mais específicas correm o risco claro de rápida desatualização ante a evolução tecnológica. Os casos específicos que necessitam, por questões de segurança, podem ser objeto de norma específica, e o caso concreto pode ser interpretado pelo Poder Judiciário no eventual ajuizamento de demandas.

 

Nesse sentido, os ensinamentos do ilustre Nelson Nery Jr.: “A função das cláusulas gerais é dotar o sistema interno do Código Civil de mobilidade, mitigando as regras mais rígidas, além de atuas de forma a concretizar o que se encontra previsto nos princípios gerais de direito e nos conceitos legais indeterminados”(NERY JR., Nelson. Contratos no Código Civil: Apontamentos gerais in O Novo Código Civil: Homenagem ao Professor Miguel Reale. 2º ed., 2006, São Paulo: LTr, p. 429).

 

Corroborando: “Frente a esta nova realidade fática que a sociedade está vivenciando, entendemos que a tentativa de criação de qualquer regulamentação específica resultará em uma rápida desatualização, em uma rápida superação pela realidade fática, ao passo que o nosso principal sistema jurídico – Código Civil – por ser um ordenamento fundamentalmente principiológico e dotado de diversas cláusulas gerais e conceitos legais indeterminados, está apto a se amolda, recepcionar e ser aplicável aos novos casos concretos (princípio da eticidade, operabilidade e socialidade), incluindo as contratações pelos meios eletrônicos conforme critérios da gradação da aplicação da dinâmica da autonomia privada”. (REBOUÇAS, Rodrigo Fernandes. Contratos Eletrônicos: Formações e Validade – Aplicações Práticas. 2ª ed., São Paulo: Almedina, 2018).

 

Ademais, o Código Civil ainda prescreve que “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código” (art. 425).

 

Portanto, a legislação atual é perfeitamente aplicável aos casos gerais de contratação eletrônica, ficando as exceções passíveis de legislação específica e apreciação do Poder Judiciário.

 

Requisitos do contrato

O próximo ponto a ser apreciado é quanto aos requisitos do negócio jurídico para sua existência, validade e eficácia.

 

Nesse ponto vale destacar a tão famosa “escada ponteana” para a verificação da existência, validade e eficácia do negócio jurídico

 

O primeiro degrau analisa a existência por meio da observação do agente, objeto, forma e vontade. Portanto, para existir o negócio jurídico contrato eletrônico é necessário agentes (contratantes), objeto (conteúdo do contrato), forma (contrato formal, termo de aceite, procedimento eletrônico de compra, assinatura eletrônica, etc.) e vontade (manifestação da vontade dos contratantes).

 

Possuindo esses requisitos o contrato eletrônico existe, mas não significa que seja válido e eficaz.

 

Para ser eficaz, segundo degrau da escada, todos esses requisitos têm que apresentar características indissociáveis, quais sejam: agente capaz, objeto lícito, forma prescrita em norma ou não defesa em norma e a vontade livre, consciente e voluntária.

 

Essas características estão previstas nos artigos 104 e seguintes do Código Civil.

 

Vale destacar que o artigo 107 do Código Civil afirma que: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”.

 

Dessa forma, o contrato eletrônico se adequa a legislação, sendo aplicável às relações jurídicas que não exijam forma especial.

 

Nesse sentido a doutrina de Newton Lucca: “A primeira observação a ser feita sobre os contratos telemáticos, ao que parece, não obstante sua aparente obviedade, é que nada impede possam ser livremente celebrados pelos que assim o desejarem. Inexiste norma jurídica em nossa ordenação que proíba a realização de contratos por tal meio. A única exceção, evidentemente, diz respeito às hipóteses legalmente previstas, para as quais se exige forma solene para que possa o ato jurídico produzir seus efeitos jurídicos pertinentes” (LUCCA, Newton. Aspectos Jurídicos da Contratação Informática e Telemática. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 94.)

 

Por fim, o terceiro degrau, que consiste na análise da eficácia. Existindo o contrato eletrônico e sendo ele válido, o que precisa para surtir efeito, ser eficaz? Ele precisa da observância dos elementos “acidentais”.

 

Esses elementos são a “condição”, “termo” e “encargo”, que se presentes condicionam os direitos e deveres das partes relacionadas, podendo gerar suspensão, resolução ou nulidade.

 

A condição faz com que o contrato dependa de um evento futuro e incerto (art. 121 CC/02). Podemos citar como exemplo em relação aos contratos eletrônicos a condição de entrega do produto dentro do prazo para que o contrato tenha eficácia. Nesse exemplo, caso o produto não chegue o contrato, ainda que informal, não tem eficácia. Algumas plataformas somente liberam o valor do recurso para o vendedor após a confirmação da entrega.

 

O termo condiciona o negócio jurídico a evento futuro e certo (art. 131 do CC/02), diferentemente do anterior. Temos como exemplo o aluguel de imóveis via aplicativos ou sites para uma data futura, ou a aquisição de passagens aéreas para data futura, ou, ainda, o aceite em um contrato telemático para pagamento em dia futuro.

 

Vale ressaltar que o termo suspende o exercício, mas não a aquisição do direito, nos termos do artigo 131 do citado código. Ou seja, os direitos e deveres firmados no contrato são plenamente exigíveis, contudo, o exercício deles é postergado pelo termo definido pelas partes.

 

Por último, o encargo (art. 131 CC/02) estabelece uma obrigação condicionante, ou seja, algo que um ou mais dos contratantes tem que fazer para a efetivação do contrato. Exemplificar esse elemento no meio eletrônico é bem complexo, tendo em vista que não é comum se estabelecer encargos em contratos eletrônicos. Todavia podemos citar acordos e negociações cujo contrato seja firmado eletronicamente e estabeleça um objeto primário (pagar o valor Y em X parcelas) e um objeto secundário condicionado a encargo (Desconto sobre o valor Y sob o encargo de pagamento na modalidade “à vista”). Nesse caso o encargo condicionante é a modalidade de pagamento, sem a qual não se opera a eficácia do objeto secundário.

 

Por todo o exposto, vemos que os requisitos dos contratos em geral e os contratos eletrônicos são os mesmos previsto no Código Civil. Devem possuir os elementos de existência, de validade e de eficácia.

 

Se assim for, nada no ordenamento jurídico pátrio impede celebração desse tipo contratual.

 

O que impera é o princípio da liberdade das formas, razão pela qual um contrato firmado via aplicativos, e-mail, sites, sistemas, gadgets e etc. é válido, pois válido é o meio de exteriorização da vontade.

 

Nesse sentido: “RESP 1.381.603-MS, REL. MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO, POR UNANIMIDADE, JULGADO EM 6/10/2016, DJE 11/11/2016. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. PROVA ESCRITA. JUÍZO DE PROBABILIDADE. CORRESPONDÊNCIA ELETRÔNICA. E-MAIL. DOCUMENTO HÁBIL A COMPROVAR A RELAÇÃO CONTRATUAL E EXISTÊNCIA DE DÍVIDA. 1. O correio eletrônico (e-mail) pode fundamentar a pretensão monitória, desde que o juízo se convença da verossimilhança das alegações e da idoneidade das declarações. 2. Nesse contexto, nota-se que a legislação brasileira, ainda sob à luz do CPC de 1.973, não proíbe a utilização de provas oriundas de meio eletrônico. Imbuído desse mesmo espírito da "era digital", o novo Código de Processo Civil, ao tratar sobre as provas admitidas no processo, possibilita expressamente o uso de documentos eletrônicos, condicionando, via de regra, a sua conversão na forma impressa. 3. (...)De fato, se a legislação brasileira não veda a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova, soaria irrazoável dizer que uma relação negocial não possa ser comprovada por trocas de mensagens via e-mail.

 

CONCLUSÃO

Contratos eletrônicos, apesar da dificuldade e das divergências doutrinárias em sua conceituação, são contratos comuns celebrados por computadores, tablets, celulares e outros gadgets, presencialmente ou não, com ou sem o uso da internet, desde que por meio de transmissão eletrônica de dados.

 

Sabemos que outros aspectos únicos dos contratos eletrônicos devem ser levados em consideração, tais como quanto aos agentes, já que os contratos eletrônicos podem possuir agentes reais e virtuais (intersistêmicos, interpessoais e interativos). Porém essa análise fica para outro estudo e não repercute objetivamente no objeto deste artigo.

 

Portanto, em que pese algum grau de subjetividade em relação a algumas especificidades dos contratos eletrônicos, tais exceções são abarcadas pela teoria mista exposta neste artigo, tendo em vista que é possível a edição de norma específica para tais casos.

 

Esse tipo contratual apenas reflete aspectos da vida real no mundo digital. Dessa forma o atual Código Civil, por ser o contentor, o conceptáculo, a campânula dos princípios norteadores dos contratos pode ser o fundamento dos contratos eletrônicos, ressalvadas as exceções, como já exposto, e com supedâneo no princípio da liberdade das formas não resta dúvida quanto a sua validade.

 

REFERÊNCIAS

PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito..., 2008.

NERY JR., Nelson. Contratos no Código Civil: Apontamentos gerais in O Novo Código Civil: Homenagem ao Professor Miguel Reale. 2º ed., 2006, São Paulo: LTr.

REBOUÇAS, Rodrigo Fernandes. Contratos Eletrônicos: Formações e Validade – Aplicações Práticas. 2ª ed., São Paulo: Almedina, 2018

LUCCA, Newton. Aspectos Jurídicos da Contratação Informática e Telemática. São Paulo: Saraiva, 2003



O AUTOR

Pedro Paulo e Silva Freire:

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, especialista em Direito Civil e Empresarial pelo IBMEC, presidente da Regional Acre da Associação de Direito de Família e Sucessões, presidente do Instituto Mercosul Amazônia (IMA).

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