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Direito Médico e a judicialização da medicina

  • Foto do escritor: Diego Bruno Nascimento
    Diego Bruno Nascimento
  • 22 de dez. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 6 de jul. de 2022

A sociedade moderna é marcada pelas inúmeras relações comerciais e contratuais entre as pessoas. É notório que vivemos em uma sociedade extremamente litigante, isto é, uma sociedade onde as pessoas buscam a justiça para solucionar todos seus descontentamentos, desde os mais simples até os mais complexos, é o que se chama de judicialização. E a Medicina, através da relação médico-paciente, também está diretamente envolvida nesse fenômeno chamado especificamente de judicialização da medicina.


Importante mencionar que quando falamos judicialização da medicina, não restringimos apenas à profissão da medicina, mas sim a todas as profissões da saúde de uma maneira geral, da mesma forma que quando falamos da relação médico-paciente abordamos a relação paciente-profissional de saúde. Em que pese a maioria das demandas envolverem médicos e dentistas.


A relação médico-paciente durante muito tempo foi baseada numa relação de confiança, pessoal e paternalista, onde os pacientes pouco questionavam as condutas médicas e os profissionais eram vistos como pessoas não sujeitas a erros e falhas. Contudo, essa relação se deteriorou ao longo do tempo, onde frequentemente os profissionais da saúde se veem em situações de desconfiança, com os pacientes constantemente buscando outras opiniões ou até mesmo acusando o profissional de erro médico. Situações essas motivam os pacientes a procurarem a justiça em busca de indenizações, muitas vezes de alto valor, alegando terem sido vítimas de erro médico.


A judicialização da Medicina pode ter como causa vários fatores como, por exemplo, a precária estrutura física de unidades de saúde, clínica e hospital onde os profissionais de saúde exercem seu mister. A inevitável mercantilização da Medicina e da Odontologia, com a popularização de procedimentos estéticos gerando altas expectativas de resultado nos pacientes. A saturação do mercado do trabalho originando os subempregos. A própria legislação brasileira e as recentes decisões judiciais favorecem ou, pelo menos, servem como estímulos aos pacientes procurarem o judiciário. Assim, é fundamental que os profissionais de saúde saibam como exercer a profissão de forma preventiva do ponto de vista jurídico e ético.


Do ponto de vista da legislação brasileira temos uma grande polêmica a respeito que é a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na relação médico-paciente. Ou seja, o paciente é visto como um consumidor e, portanto, tendo todos os direitos da legislação consumerista.


Por dedução lógica, a relação do médico e do dentista com o seu paciente também é considerado uma relação de consumo, contrariando os preceitos éticos e bioéticos das profissões da saúde.


O Código de Ética da Medicina, diz em seu capítulo I, inciso I que “A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza”.


Continua o Código de Ética Médica dizendo no mesmo capítulo, no inciso IX que “A medicina não pode, em nenhuma circunstância ou forma, ser exercida como comércio”.


O Código de Ética Odontológico, por sua vez, diz em seu capítulo I, art. 2° que “A Odontologia é uma profissão que se exerce em benefício da saúde do ser humano, da coletividade e do meio ambiente, sem discriminação de qualquer forma ou pretexto”.


Da mesma forma que o Código de Ética da Medicina, o Código de Ética da Odontologia busca afirmar que a Odontologia não é uma atividade típica de comércio, como diz o art. 4° “A natureza personalíssima da relação paciente/profissional na atividade odontológica visa demonstrar e reafirmar, através do cumprimento dos preceitos estabelecidos por este Código de Ética, a peculiaridade que reveste a prestação de tais serviços, diversos, portanto, das demais prestações, bem como da atividade mercantil”.


A judicialização das profissões da saúde é um fenômeno irreversível.

Não se pretende aqui discutir a hierarquia dar normas entre legislações federais e resoluções de conselhos de classe. Apenas promover um debate sobre a relação entre os pacientes e profissionais de saúde.


Embates nessa complexa relação também são vistas em ambientes públicos. Constantemente se vê na mídia situações de médicos que são agredidos em hospitais ou clínicas, principalmente quando falamos no SUS. Os médicos, muitas vezes, submetidos a jornadas extenuantes e mal remuneradas, trabalham sem ter à disposição aparelhos básicos para diagnóstico de patologias ou até mesmo ausência de equipamentos e insumos que permitam um correto tratamento dos pacientes que procuram por atendimento no SUS.


O art. 196 da Constituição Federal diz que “a saúde é direito de todos e dever do Estado...”. Dessa forma, a própria lei maior do Estado brasileiro diz que o Estado tem o dever, ou seja, o Estado é obrigado a fornecer saúde para a população. E saúde no texto é visto em seu sentido amplo, saúde integral. Isso ajuda a explicar também o porquê que muitos pacientes buscam a justiça para que o Estado forneça medicamentos caros que normalmente não estão disponíveis no SUS.


A saturação do mercado de trabalho e o aumento no número de faculdades de Medicina e Odontologia expõe os profissionais recém-formados a subempregos, seja no SUS, seja na iniciativa privada.


No SUS observa-se esse fenômeno nos vencimentos pagos aos profissionais e nas precárias condições de trabalho a que são submetidos. Na inciativa privada o fenômeno se faz presente ao constatarmos o aumento da quantidade de clínicas populares e, inclusive, o crescente número de franquias nacionais de clínica médica e odontológicas. Faculdades de Medicina e Odontologia que não oferecem estrutura física ideal e corpo docente qualificado formam profissionais inseguros e sem o necessário conhecimento técnico científico para exercerem a profissão de forma segura, culminando no aumento da quantidade de erro médico.


Ademais, a inevitável mercantilização da Medicina e da Odontologia com a popularização dos tratamentos estéticos têm aumentado a procura por tais procedimentos. Todavia, muitos pacientes procuram os tratamentos estéticos amparados em uma expectativa irreal, expectativa esta criada por publicações de “antes e depois” ou por publicidade exagerada de procedimentos estéticos. Nesses casos os pacientes já criaram a expectativa de que terão resultados “perfeitos”. Porém, foge ao controle do profissional a reação biológica do organismo do paciente, não podendo garantir o resultado final do procedimento estético.


Por outro lado, alguns profissionais negligenciam a consulta inicial do paciente, não esclarecendo o mesmo das características do procedimento ao qual irá se submeter e, principalmente, explicar que não é possível garantir que se chegará ao resultado exatamente como desejado pelo paciente. Some a isso a jurisprudência acerca dos procedimentos estéticos, onde os tribunais têm considerado que as cirurgias plásticas embelezadoras, bem como procedimentos estéticos de uma maneira geral, são obrigações de resultado, ou seja, o profissional é obrigado a chegar a um resultado final satisfatório. Caso assim não ocorra, muito provavelmente em uma posterior demanda judicial o profissional será condenado a indenizar o paciente por inadimplemento contratual.

O objetivo do direito médico é atuar preferencialmente na prevenção jurídica.

Isto posto, observa-se um considerável aumento da quantidade de ações judiciais contra profissionais da saúde, tornando o exercício, principalmente, da Medicina e da Odontologia extremamente oneroso. A judicialização das profissões da saúde é um fenômeno irreversível e a especialidade de direito médico capacita advogados a atuarem especificamente nas demandas envolvendo erro médico. Frente a isso, é fundamental que os profissionais da saúde adotem condutas preventivas e tenham conhecimento básico de legislação para não se exporem da maneira como se vê hoje.


A prevenção jurídica para os profissionais da saúde inicia no momento da anamnese e consulta inicial através de um prontuário elaborado de forma correta; no fornecimento completo das informações do pré, trans e pós-operatório e sempre esclarecendo o paciente da real expectativa do procedimento médico.


Como dito, considerando que a judicialização da medicina é um processo irreversível, o objetivo do direito médico é atuar preferencialmente na prevenção jurídica, capacitando o profissional da saúde a atuar de forma preventiva através da adoção de condutas na relação médico-paciente para que em uma possível demanda judicial, o profissional tenha condições de provar que não agiu com negligência, imprudência e imperícia ou até mesmo provar que forneceu todas as informações necessárias para o correto esclarecimento e consentimento do paciente.


Diego Nascimento é Advogado, especialista em Direito Médico, membro da Comissão de Direito Médico da OAB/AC, cirurgião-dentista, especialista em ortodontia e odontologia legal e professor.

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