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  • Foto do escritorLúcia Ribeiro

Liberdade e intolerância religiosa: o que diz a Constituição

Atualizado: 6 de jul. de 2022

O Brasil é um país laico, ou seja, não possui uma religião oficial. Todavia a Lei maior, a Constituição Federal, foi promulgada em 1988 com a “proteção de Deus”, conforme dispõe seu preâmbulo. Isso significa que o Brasil reconhece, valoriza e respeita a fé do seu povo, que se manifesta através das diversas religiões, incluindo aqueles e aquelas que não professam nenhuma religião.


Neste sentido, a intolerância religiosa é crime! E consta no Calendário Cívico da União para efeitos de comemoração oficial o 21 de janeiro como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, conforme a Lei nº 11.635/2007.


Além da instituição do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, foi elaborado o Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, porém até o presente momento este Plano não foi implementado pelas autoridades públicas.

É importante lembrar que além das diversas datas que homenageiam santos e eventos ligados à Igreja Católica, o Estado do Acre celebra o Dia do Católico, em 20 de janeiro, feriado estadual instituído pela Lei nº 3.137/2016 e o Dia do Evangélico, comemorado em 23 de janeiro, instituído pela Lei nº 1.538/2004.


O município de Rio Branco, através da Lei nº 1.743/2009 instituiu o Dia 17 de Julho em homenagem às religiões de matriz africana.


Apesar das tantas datas de cunho religioso, por que há tantas práticas e denúncias de intolerância religiosa?


É importante lembrar que o crime de intolerância religiosa pode ser praticado contra qualquer religião, contudo, a prática ocorre principalmente contra os integrantes de religiões de matriz africana, dentre elas o Candomblé. Vale dizer que a Umbanda é uma religião 100% brasileira e os seus seguidores também são vítimas da prática do crime de intolerância religiosa. E esta prática é fruto do racismo estrutural presente na sociedade brasileira.


O ordenamento jurídico brasileiro traz uma série de dispositivos que tratam acerca deste assunto. Dentre eles, destacam-se:


1) A manifestação da fé como um direito fundamental: a Constituição Federal de 88 assegura a liberdade de consciência, de crença, o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção dos locais de culto.


Constituição Federal de 1988. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;


2) O Código Penal traz as penas de multa, detenção e reclusão aos crimes praticados contra o sentimento religioso.


Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena - reclusão de um a três anos e multa.


Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.


3) A Lei 7.716/89 que define os crimes resultantes de preconceito pune com reclusão e multa a prática do crime de intolerância religiosa.

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.


4) O Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288/2010, traz em seu Capítulo III, arts. 23 ao 26, a proteção ao direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos.


Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.


Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende:

I - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins;

II - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões;

III - a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas;

IV - a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação específica;

V - a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões de matriz africana;

VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões;

VII - o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões;

VIII - a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais.


Art. 25. É assegurada a assistência religiosa aos praticantes de religiões de matrizes africanas internados em hospitais ou em outras instituições de internação coletiva, inclusive àqueles submetidos a pena privativa de liberdade.


Art. 26. O poder público adotará as medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente com o objetivo de:

I - coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas;

II - inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos vinculados às religiões de matrizes africanas;

III - assegurar a participação proporcional de representantes das religiões de matrizes africanas, ao lado da representação das demais religiões, em comissões, conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação vinculadas ao poder público.


5) O município de Rio Branco também tem mecanismos, dentre eles o Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial, o Conselho Municipal de Igualdade Racial e o Departamento de Igualdade Racial que visam realizar ações de enfrentamento à intolerância religiosa.


Lei nº 2.251/2017, que dispõe sobre a Política Municipal de Promoção da Igualdade Racial no município de Rio Branco.


Art. 4º São objetivos específicos da PMPIR:

[...]

VII – enfrentar as desigualdades raciais, a intolerância religiosa e promover a igualdade racial como premissa e pressupostos a ser considerado no conjunto das políticas de governo.


A Lei nº 2.388/2020 dispõe sobre penalidades administrativas a serem aplicadas pela prática de atos de discriminação por motivo religioso. As penalidades aplicadas através de processo administrativo vão desde advertências, multas (de 30 a 60 UFMRB’s), suspensão e cassação da licença municipal para funcionamento.


Conforme se verifica, a legislação que trata e pune a intolerância religiosa é bastante extensa. Para que ela se torne efetiva, eficaz e eficiente é necessário que:

a) A vítima faça a denúncia, ou seja, registre um Boletim de Ocorrência na Delegacia e requeira a apuração dos fatos;

b) Comunique ao Centro de Atendimento à Vítima do Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa seja nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais;

c) Os órgãos governamentais adotem as medidas necessárias para o combate à intolerância religiosa e à discriminação de seus servidores, executem os Planos de Promoção da Igualdade Racial para fazer frente ao racismo e a intolerância religiosa.


A aplicação da lei é importante para punir o crime, conscientizar e educar a população pois racismo é crime, a intolerância religiosa é crime e deve ser punida na forma da lei. Nelson Mandela diz que ninguém nasce amando ou odiando as pessoas, se as pessoas são ensinadas a odiar, elas também podem ser ensinadas a amar. A liberdade religiosa é um direito fundamental e deve ser respeitado.



Lúcia Maria Ribeiro de Lima é advogada e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/AC.

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