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  • Foto do escritorMariana Moraes de Lima

Natureza, atribuições e competências dos Conselhos Profissionais

Atualizado: 6 de jul. de 2022

A Constituição Federal, no art. 5º, inciso XIII, impõe a liberdade de profissão como garantia fundamental. Trata-se, portanto, de uma reserva legal qualificada ao direito fundamental, que impede que o legislador ordinário restrinja, de modo discricionário, o livre exercício da profissão.


Necessário destacar que a própria Constituição de 1988 atribui à União competência para legislar sobre organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões.


É certo que nossa Carta Magna não admite limitações senão em caráter amplo, sem distinguir entre particulares nem entre as classes, ressalve-se, apenas, o interesse coletivo, isto é, a segurança individual, a ordem, a moral e a higiene.


De sorte que existem profissões das quais se exige, por sua própria natureza, qualificações profissionais, as quais se referem a qualificações de capacidade técnica. São essas as profissões regulamentadas e fiscalizadas pelos conselhos profissionais ou de classe.


Os conselhos profissionais surgiram ainda no Estado Novo com o objetivo de dar suporte à Constituição Federal de 1937, promulgada pelo então Presidente da República Getúlio Vargas, tendo sido criados compulsoriamente por força de lei, com o principal objetivo de exercer as funções delegadas pelo Poder Público sobre seus associados, o que lhes dava um perfil muito similar a uma associação sindical e/ou profissional.


Importante observar que os Conselhos não integravam a Administração Pública, uma vez que eram outorgados a particulares das respectivas profissões que representavam.


Dentre suas funções principais, antes da Constituição Federal de 1988, podemos citar: a manutenção dos registros profissionais, a deliberação sobre assuntos de ordem ética da profissão correspondente, bem como a devida imposição de sanções legais, como suspensão e até mesmo cassação da autorização para o devido exercício profissional.


Porém, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a regulação acerca do trabalho e das profissões no Brasil passou a ser de caráter exclusivo da União, sendo vedada, a partir de então, a delegação a particulares para atuarem na regulação profissional, o que era até então constitucionalmente possível, vide as Constituições anteriores (1937, 1946 e 1967).


Pela ordem jurídica vigente, os conselhos de classe devem ser criados por lei, possuem personalidade jurídica de direito público e têm autonomia administrativa e financeira.


Por preencherem todos os requisitos, os conselhos constituem-se como autarquias da Administração Pública Federal, como reconhecido pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 641/DF (Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 11/12/91).


De outra banda, a Constituição Federal, em seu artigo 150, estende a imunidade tributária recíproca de impostos ao patrimônio, a renda e aos serviços das autarquias e fundações sustentadas pelo Poder Público, desde que os bens imunes estejam vinculados às finalidades essenciais da entidade, como é o caso dos conselhos profissionais.


Logo, não é difícil reconhecer a imunidade dos conselhos fiscalizatórios e que, na condição de autarquia pública federal, estão alcançados pela regra contida no §2º do art. 150 da Constituição da República.


Outrossim, constitui como seu objetivo principal a defesa da própria sociedade, obstando, reprimindo, fiscalizando e sancionando o exercício da profissão, não somente perante seus profissionais inscritos, mas também em face de particulares inabilitados, nos termos da lei, para exercer determinada atividade profissional.


É notório que quando a Administração Pública, em observância à Constituição Federal e à legislação, atua concretamente equilibrando interesses individuais e coletivos, está exercendo o poder de polícia, e este tem como fundamentos o interesse social e a supremacia do interesse público sobre o privado.


É nesse âmbito que se encontram os conselhos de profissões regulamentadas que, entre outras finalidades, buscam orientar os profissionais sobre o exercício do seu ofício; zelar pela ética da profissão em todas as suas áreas de atuação; regular e fiscalizar os limites de atuação profissional; registrar, cadastrar e manter dados sobre os profissionais; e normatizar as diretrizes de cada profissão.

Os conselhos profissionais, enquanto pessoas jurídicas de direito público, atuam em defesa da própria sociedade, obstando, reprimindo, sancionando o exercício da profissão por pessoas inabilitadas.


Em vista dessa atuação na defesa de interesses sociais, importa destacar a Lei nº 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública e traz no art. 5º o rol de legitimados para propor a ação principal e a ação cautelar para defesa de interesses difusos ou coletivos.


À exceção do Ministério Público, cujas atribuições desdobram-se irrestritamente, os demais entes têm circunscrita a competência aos interesses ou valores que lhes pertencem e se consideram próprios às suas funções, ou seja, que lhes são afetos e lhes dizem respeito.


Tomando em consideração a natureza autárquica dos conselhos de classe e a finalidade legal de fiscalização do exercício profissional no âmbito de sua jurisdição, exsurge a legitimidade e a pertinência temática para propositura da ação coletiva, visando a defesa do direito coletivo à adequada prestação do serviço profissional.


Como dito antes, é dever dos conselhos promover a orientação dos profissionais sobre o exercício do seu ofício, zelando pela ética da profissão e normatizando as diretrizes em todas as suas áreas de atuação, sempre preservando a intimidade e a reputação do profissional.


Por se tratar de atividade típica da Administração Pública, o poder de fiscalização dos conselhos deve se orientar pelos princípios e normas que regem a Administração, de forma a limitar a discricionariedade do Estado no que concerne o direito ao livre exercício da profissão, o qual se constitui norma fundamental prevista em nossa Constituição Federal.


Para o exercício profissional de atividade regulamentada, o particular deverá estar com seu registro de classe devidamente ativo e regular, ou seja, deverá estar inscrito e em dia com suas obrigações legais junto ao seu conselho profissional.


Uma vez inscrito junto a seu conselho, nada mais poderá impedir que uma pessoa desempenhe suas atividades profissionais. Somente a suspensão, o licenciamento, cancelamento ou exclusão são institutos jurídicos capazes de retirar do profissional a situação de regularidade de seu registro. Logo, a simples inadimplência, per si, não tem o condão de tornar o registro irregular ou inativo.

De certo que o cancelamento poderá ser requerido pelo próprio profissional, independente de motivação prévia, enquanto a suspensão do registro poderá ocorrer tanto a pedido do profissional quanto de forma compulsória pelo Conselho Profissional, mediante processo administrativo. Já a exclusão do registro se dará de forma compulsória, mediante processo administrativo com observância ao devido processo legal e ampla defesa.


Outrossim, os conselhos não podem criar qualquer tipo de objeção para emissão de certidão de regularidade do profissional inscrito, ainda que esse esteja inadimplente.


Com efeito, o registro junto à entidade profissional é obrigatório não apenas para pessoas físicas, para o exercício de profissões regulamentadas, mas também, nos termos da Lei Federal nº 6.839/1980, que trata da exigência de inscrição de empresas junto às entidades fiscalizadoras do exercício de profissões, que o registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.


A regularidade perante os conselhos de profissão regulamentada é necessária até mesmo para participação em licitações públicas. Ocorre que o art. 30, da Lei 8.666/93, Lei de Licitações, ao tratar das exigências de habilitação do licitante concernentes à capacitação técnica, estabelece a necessidade de ser comprovada a capacidade técnica-operacional do licitante, a qual é referente à empresa, bem como a capacidade técnica-profissional, a qual diz respeito ao profissional integrante dos quadros permanentes da empresa e indicado como responsável técnico pela obra ou serviço.


De igual sorte, no art. 30, §1º, inciso I, da Lei de Licitações estabelece a obrigatoriedade de a comprovação do licitante possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade de classe competente.


Consoante às anuidades, necessário destacar sua natureza jurídica social, portanto para efeitos de ordem legal são consideradas tributos. Dessa forma, têm como fato gerador a existência da inscrição no conselho, ainda que por tempo limitado.


Assim, o profissional inscrito em seu conselho de classe não pode se omitir de sua obrigação, no adimplemento das anuidades, pelo simples fato de não exercer determinada profissão.


Caso o particular não queira continuar recolhendo suas contribuições junto ao seu conselho, ele tem o direito de pedir a suspensão ou até o mesmo o cancelamento de seu registro, independente de prévia justificativa, em face do princípio constitucional da livre associação e desassociação.


Caso não o faça e deixe de pagar as anuidades, incorrerá em mora e, nesse caso, poderá sofrer protesto e responder a ação de execução fiscal, desde que o conselho adote tais medidas dentro do prazo prescricional de cinco anos.


De outra banda, a cobrança judicial por parte dos conselhos só poderá ocorrer se o valor for igual ou superior a cinco vezes o valor cobrado anualmente, seja de pessoa física ou de pessoa jurídica. Importante observar que demais sanções administrativas não estão vinculadas a esse valor, seja por inadimplência ou por questões de violação ética da profissão.


Na hipótese de inadimplência, poderá o conselho promover a cobrança administrativa mediante notificação extrajudicial, bem como a inscrição do profissional devedor no cadastro de inadimplentes e o devido protesto de certidões de dívida externa, como dito anteriormente.


A competência para fiscalizar o exercício da profissão e impor penalidades, ao contrário do que possa se imaginar, não está restrita às pessoas físicas e jurídicas que sejam obrigadas ao registro perante o conselho, mas também aos particulares que exerçam atividades relacionadas à área e que eventualmente estejam lotadas em pessoas jurídicas com atividade base diversa.


Ressalte-se que eventuais sanções, pelos conselhos profissionais, devem ser aplicadas somente após apuração criteriosa, com observância obrigatória aos princípios do contraditório, ampla defesa, do devido processo legal e da pena menos gravosa, bem como embasadas em lei em sentido estrito.


Como dito, as ações de fiscalização devem se pautar pela proteção à intimidade e reputação do profissional, motivo pelo qual é necessário que as requisições e atos de comunicação da fiscalização sejam sigilosas no que tange a terceiros.


É correto dizer que o poder-dever de fiscalizar é o ponto chave da atividade do conselho, por meio do qual pode ser apurado se determinada pessoa física ou jurídica, registrada ou não, desempenha ilegalmente funções privativas de profissional habilitado.


No que tange ao regime de contratação de pessoal pelas entidades de classe, destaca-se a ADC 36/2015 que discute a possibilidade de contratação de pessoal pelo regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho, no âmbito dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas.


No julgamento recente pelo pleno do STF, reconheceu-se a incidência de normas de Direito Público, todavia ponderou-se acerca da natureza peculiar dos conselhos profissionais, autarquias corporativas criadas por lei e que da própria lei recebem a outorga para o exercício de atividade típica do Estado, com maior grau de autonomia administrativa e financeira que aquele conferido às autarquias comuns.


De sorte que os conselhos profissionais gozam de ampla autonomia e independência; eles não estão submetidos ao controle institucional, político, administrativo de um ministério ou da Presidência da República, ou seja, eles não estão na estrutura orgânica do Estado. Eles não têm, e não recebem, ingerência do Estado nos aspectos mais relevantes da sua estrutura – indicação de seus dirigentes, aprovação e fiscalização da sua própria programação financeira ou mesmo a existência, podemos chamar, de um orçamento interno. Eles não se submetem, como todos os demais órgãos do Estado, à aprovação de sua programação orçamentária, mediante lei orçamentária, pelo Congresso Nacional. Não há nenhuma ingerência na fixação de despesas de pessoal e de administração.


Assim, reconheceu-se que o regime jurídico único preconizado pelo art. 39, caput, da Constituição, compele a adoção do regime estatutário pelos entes da Administração Direta, autárquica e fundacional, mas não existe razão de fundo constitucional a exigir que o legislador equipare o regime dos conselhos profissionais ao das autarquias, nesse aspecto.



Mariana Lima é bacharela em Direito pelo Centro Universitário Uninorte e assessora jurídica de Conselho Profissional.


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