top of page
  • Instagram ícone social
Capa 800px.jpg

O novo pacote anticrime e a velha segregação social

  • Foto do escritor: Luis Gustavo Medeiros de Andrade
    Luis Gustavo Medeiros de Andrade
  • 12 de mai. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 6 de jul. de 2022

O presente artigo tem como finalidade apresentar as principais modificações legislativas trazidas pelo chamado “Pacote Anticrime” (Lei n. 13.964/19), bem como tecer comentários acerca de outras inovações legislativas esperadas pela Sociedade, mas que foram esquecidas pelo Legislador.


O Pacote Anticrime originou-se através do Projeto de Lei n. 10.372/18, que tramitou, inicialmente, na Câmara dos Deputados. O texto original foi elaborado por uma comissão de juristas, presidida pelo Exmo. Ministro do STF, Alexandre de Moraes, tendo por finalidade principal implementar instrumentos de combate ao crime organizado, especialmente, ao crime organizado envolvendo o tráfico de drogas e de armas de fogo. Ao longo da tramitação pelo Poder Legislativo e sanção presidencial, houve algumas emendas e trechos vetados mas, em sua essência, o projeto original fora mantido.


Assim, cumprindo o objetivo original, o Pacote Anticrime, efetivamente, aumentou as penas dos crimes de comércio ilegal e tráfico internacional de arma de fogo (arts. 17 e 18, da Lei n. 10.826/03). Além disso, foi sensivelmente modificada a Lei de Combate às Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/13), nos institutos da colaboração premiada (art. 3º-A) e da infiltração de agentes policiais em organizações criminosas (arts. 10 a 12). Outra importante modificação foi o aumento do tempo de permanência do preso no regime disciplinar diferenciado (RDD – art. 52 da Lei n. 7.210/84), o qual, usualmente, é aplicado aos dirigentes das organizações criminosas.


Para além de seu objetivo inicial, o Pacote Anticrime realizou importantes mudanças na Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84) e na Lei de Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90). No âmbito da execução penal, merece destaque a profunda alteração do artigo 112, tendo sido criados prazos mais rigorosos para a obtenção das progressões de regime. Com a modificação, a porcentagem de cumprimento de pena para a progressão de regime é maior sempre que o crime for praticado com violência ou grave ameaça; sempre que o apenado for reincidente específico; e ainda, em todos os crimes hediondos com resultado “morte”. Acompanhando o contexto dessa mudança, foi aumentado para quarenta anos o prazo máximo de cumprimento de pena no país (art. 75 do CP).


Por sua vez, na Lei de Crimes Hediondos, foram incluídos no rol desses delitos os crimes de roubo, quando praticados com emprego de arma de fogo, com restrição de liberdade da vítima e com resultado lesão corporal grave (além do roubo com resultado morte, da redação anterior – art. 1º, inciso II). Também foram incluídos os crimes de furto qualificado com emprego de explosivo (art. 1º, X), de extorsão qualificada com restrição da liberdade da vítima e com lesão corporal (art. 1º, III), de comércio ilegal e de tráfico internacional de arma de fogo (art. 1º, § único, III e IV), e ainda o crime de participação em organização criminosa quando destinada a prática de crime hediondo ou equiparado (art. 1º, § único, V). Como é possível observar, houve uma opção política para tornar hediondas algumas modalidades mais graves dos crimes de furto, roubo e extorsão, distanciando-se daquela ideia original do Pacote Anticrime.


Além disso, relevantes inovações foram implementadas através dos institutos do acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP) e do juiz de garantias (arts. 3º-A a 3º-F do CPP). Este último instituto encontra-se com a eficácia suspensa, em razão da decisão liminar provocada pelas ADIs n. 6.298, 6.299 e 6.300. Por outro lado, o acordo de não persecução penal (ANPP) é um instituto moderno, inspirado no plea bargain norte-americano, e permite que um acusado confesso, não reincidente, que tenha praticado um crime sem violência ou grave ameaça, em que seja prevista uma pena mínima inferior a quatro anos, cumpra certas penas restritivas de direito e outras condições firmadas em audiência com o Ministério Público e defesa, ato este que será homologado pelo juízo competente. O efetivo cumprimento das condições impede o prosseguimento de um processo criminal e assegura a extinção de punibilidade.


Outra importante modificação é aquela constante no artigo 91-A do Código Penal, chamada pela Doutrina de “confisco alargado”, que é uma espécie de efeito secundário da pena, que permite que o juiz decrete o perdimento de todos os bens do condenado, equivalentes a diferença entre a totalidade de seus bens com o patrimônio compatível com seus rendimentos lícitos.


Como é possível observar, o Pacote Anticrime realizou modificações importantes em várias leis penais e processuais penais, trazendo alguns instrumentos modernos e tornando mais grave o tratamento a ser dado para alguns delitos. Entretanto, sem tirar o mérito de tais mudanças, algumas críticas devem ser feitas em relação a referida lei.


Primeiramente, a opção política por aumentar os prazos de progressão de regime de todos os crimes, de se aumentar o tempo máximo de cumprimento de pena para 40 anos e de tornar hediondas várias modalidades de crimes contra o patrimônio tornou pior a condição jurídica de milhares de apenados que pertencem às classes sociais mais baixas e vulneráveis. As inovações dificilmente afetarão os grandes traficantes drogas e de armas de fogo (os quais raramente são identificados e punidos). Por outro lado, afetou todas as pessoas que praticaram crimes após a vigência da Lei 13.964/19.


Ademais, deve ser ressaltado que o Pacote Anticrime foi aprovado num contexto “pós Operação Lava-Jato”, em um Governo que prega o “fim da corrupção”. Por esta lógica, esperava-se que o Pacote Anticrime tornaria hediondos alguns dos principais “crimes do colarinho branco”, tais como corrupção ativa (art. 333 do CP), corrupção passiva (art. 317 do CP), lavagem de dinheiro (art. 1º, da Lei n. 9.613/98), evasão de divisas (art. 22, § único, da Lei n. 7.492/86), e vários outros, enfrentados diariamente pelos desmembramentos da Operação Lava-Jato.


Como é sabido, os chamados crimes do colarinho branco são aqueles usualmente praticados por empresários e membros do alto escalão governamental. Geralmente, envolvem o desvio ilícito de verbas públicas e o envio de tais verbas para paraísos fiscais, ou a ocultação desses valores em negócios supostamente lícitos. Esses tipos de crimes trazem prejuízo difuso ao país, pois ocasionam o desvio indireto de uma renda que poderia ser utilizada em hospitais públicos, escolas, na Previdência Social e em outros investimentos governamentais, trazendo prejuízos muito maiores para a Sociedade, do que crimes como o roubo e até mesmo o tráfico de drogas. Nesse contexto de pandemia do COVID-19, fica bem claro que todos os valores desviados dos cofres públicos, nos crimes que foram apurados pela Operação Lava-Jato, poderiam ter sido utilizados em mais leitos de UTI, em mais hospitais, em mais verba para a compra de vacinas, etc.


Na verdade, através de uma análise mais detida, o Pacote Anticrime confere, indiretamente, uma “carta branca” para criminosos do colarinho branco praticarem crimes “por apenas uma vez”. Melhor explicando, os crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva, corrupção ativa e evasão de divisas possuem a pena mínima menor do que 4 anos, logo, seus agentes, se primários, poderão ser beneficiados com o novo instituto do acordo de não persecução penal e, se cumprirem as condições firmadas pelo juiz, sequer terão uma condenação criminal. Por outro lado, o agente primário que pratica roubo com emprego de arma de fogo, será apenado com a pena mínima de, pelo menos, oito anos, somente podendo progredir para o regime menos gravoso com o cumprimento de 25% de sua pena. Ressalte-se que, aqui não se pretende criticar a quantidade da pena do crime de roubo com emprego de arma de fogo, pelo contrário, demonstra o esquecimento e até uma certa banalização das penas aplicadas a crimes financeiros e do colarinho branco.


Para completar, o Pacote Anticrime tornou as modalidades mais simples do crime de estelionato como crimes de ação penal pública condicionada à representação (através da inclusão do parágrafo 5º, no artigo 171, do CP), o que pode gerar maior impunidade para a prática desses crimes, que já são de difícil elucidação.


Dessa forma verifica-se que o Pacote Anticrime poderia representar um marco histórico no país, vindo como uma forte reação aos crimes que foram apurados pela Operação Lava-Jato. Todavia, isso não foi o que ocorreu e, na verdade, a Lei n. 13.964/19 seguiu a tendência de tantas outras leis anteriores, que agravaram a pena de crimes usualmente praticados pelas camadas mais baixas da população. Doravante, todas as pessoas que vierem a cometer delitos, estejam ou não envolvidas com a criminalidade organizada, serão apenadas com uma progressão de regime mais gravosa, o que colabora para o aumento da superpopulação carcerária, a qual, em sua maioria, composta pela população mais carente de nossa nação.


Por todo o exposto, conclui-se que o Pacote Anticrime reforça o adágio de que “o Direito Civil é para os ricos e o Direito Penal para os pobres” e, apesar de ter trazido relevantes instrumentos processuais, ficará marcado como uma outra lei que acentua as desigualdades sociais, não havendo a menor preocupação real em uma repressão aos crimes do colarinho branco.



Gustavo Medeiros é especialista em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Defensor Público do Estado do Acre e Professor Universitário.
E-mail: lugumean@gmail.com

留言


ASSINE E RECEBA AS NOVIDADES!

Agora manteremos você atualizado!

© 2022 Revista Capital Jurídico

bottom of page